Educação Empreendedora e futuros desejáveis – Com Rafael Gregório

Blog Educação Empreendedora e futuros desejáveis – Com Rafael Gregório

22/03/2021
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Como usar a Educação Empreendedora e as novas tecnologias como ferramentas de transformação social e cultural, de maneira que contribua para mudar nosso presente e, por consequência, construir Futuros Desejáveis?
Como tornar esses Futuros Desejáveis mais dignos, mais honestos e mais justos, de forma que considerem a nossa diversidade, nossas histórias e tradições, transformando as pessoas em protagonistas na construção de sua realidade?
Para falar sobre o assunto, entrevistamos Rafael Gregório, analista de Educação Empreendedora do Sebrae/MG.
1) fale um pouco como e por que você se envolveu com a Educação Empreendedora.
Tem uma memória desse envolvimento. Antes da Educação Empreendedora, conectei-me com a Educação através da responsabilidade coletiva em dividir e trocar conhecimentos sendo voluntário em cursos para formação profissional, dando aulas de Informática Básica.
Não era explícito para mim, mas o comportamento empreendedor, que nos envolve e que nos implica com a mudança coletiva, já fazia morada em mim.
O mergulho no contexto da Educação Empreendedora veio por meio de uma oportunidade no Sebrae. Formado em Design Gráfico e, até então atuando na área, tive a oportunidade de empreender na minha carreira aceitando o desafio de trabalhar com Desenvolvimento e Gestão de Metodologias para a Educação Empreendedora.
E foi a partir desse desafio, dessa oportunidade, que me encantei com as possibilidades de transformação positiva que a Educação Empreendedora pode promover em todo o planeta. Me encantei porque vi a Educação Empreendedora como uma das ferramentas possíveis para gerar contexto favorável ao empoderamento coletivo.
O encanto surgiu quando descobri que a Educação Empreendedora politizada transforma vidas. Não somente por meio da abertura de empresas que geram transformação positiva do contexto local até o planeta, mas também pela capacidade de potencializar transformação no que desejarmos.
Seja empreendendo na Educação, na Política, nas Artes, seja empreendendo nas Ciências, na Saúde, a Educação Empreendedora é importante instrumento na criação de Futuros Desejáveis a partir de nossa presença plural e empreendedora.
2) o que é um Futuro Desejável? E o que precisaria ser mudado, estruturalmente ou socialmente, para que ele se tornasse uma realidade?
Primeiro precisamos descolonizar a percepção de futuro que é comum em nossa Educação. A dimensão de futuro que aprendemos é aquela que nos faz crer que é o futuro, e somente o futuro, que nos guarda a possibilidade de um mundo melhor. Que somente as tecnologias digitais serão o suficiente para construir essas possibilidades de futuros.
Nessa percepção sintética do futuro, esquecemos de olhar para o passado e para a nossa presença plural que carrega possibilidades reais de transformação. A Transformação Digital nos promete um futuro da diversidade, das subjetividades, do ócio, da colaboração, dentre outras promessas.
Não estou excluindo a importância das tecnologias digitais e suas transformações positivas, mas será que essas possibilidades citadas já não são moradas aqui no presente?
Para Aílton Krenak, em seu livro Ideias para adiar o fim do mundo, “cantar, dançar e viver a experiência mágica de suspender o céu é comum em muitas tradições. Suspender o céu é ampliar o nosso horizonte; não o horizonte prospectivo, mas um existencial. É enriquecer as nossas subjetividades, que é a matéria que este tempo que nós vivemos quer consumir”.
Temos uma lógica de desenvolvimento que promete uma série de benefícios, mas que ataca a presença que carrega essas possibilidades. Não tem como falar de Futuros Desejáveis sem nos atentar para o etnocídio dos povos originários e o genocídio da população negra.
É urgente empreender contra essas mortes. E, no âmbito da Educação, da Cultura, da Aprendizagem, também temos o epistemicídio, a “morte” de conhecimentos gerada pela hierarquização de saberes da colonialidade.
Bom, se pararmos para observar o contexto de pandemia da Covid-19, como acreditar em uma narrativa de vida pautada somente no futuro?
Tal narrativa não fazia mais sentido anteriormente, e o contexto de pandemia trouxe a ineficácia de uma vida pautada só no futuro para a superfície. Vai dizer que nossos estudantes se encantam com essas narrativas ancoradas somente no futuro?
Precisamos mudar agora! Empreender as transformações que o mundo precisa hoje. Como exposto acima, por Krenak, é sobre ampliar o horizonte existencial.
E, nessa desconstrução necessária sobre o futuro, precisamos questionar também o necrofuturo, ou seja, as narrativas que dizem que o mundo “já deu ruim” para produzir apatia em nós seres humanos.
Aílton Krenak, no citado livro, expõe a situação apática do mundo em que vivemos:
O tipo de humanidade zumbi que estamos sendo convocados a integrar não tolera tanto prazer, tanta fruição de vida. Então, pregam o fim do mundo como uma possibilidade de fazer a gente desistir dos nossos próprios sonhos”.
Diante disso, Krenak nos convida a escrever outras histórias para adiar o fim do mundo. É um convite para escrevermos histórias de transformações positivas no mundo por intermédio de nossa presença plural.
Outro conflito sobre os futuros que temos é: ele será melhor ou pior?
Para mim, não me importa os extremos isolados de si. O que importa é estabelecer os “cruzos” entre possibilidades distintas de futuros para que possamos transgredir.
Uma pessoa pessimista, que pensa um futuro distópico, é superimportante para nos chamar a atenção para “Futuros Indesejáveis”, assim como uma pessoa otimista, que pensa um futuro utópico, é fundamental para nos mostrar as possibilidades de Futuros Desejáveis.
Em ambos os casos, seja otimista, seja pessimista, o importante é a nossa capacidade de empreender, quer para evitar a distopia, quer para potencializar a utopia. Sem esquecer que existe o comportamento fatalista, do “já deu ruim, provocado pelas narrativas de necrofuturo. É uma responsabilidade coletiva tratar o fatalismo.
A fim de que possamos promover essas mudanças, para imaginar outros Futuros Desejáveis (no plural), precisamos, como diria Paulo Freire,tomar posse da realidade; precisamos desenvolver a habilidade de leituras de mundo, não somente de livros.
É necessário politizar nossa presença para empreender criticamente na mudança do mundo. E me veio à mente, novamente por meio de Paulo Freire, a importância de empreender.
Segundo Freire, pensar certo é fazer certo, e empreender é promover a mudança acompanhada de uma série de habilidades, dentre elas o pensamento crítico. Com vistas a desenvolvermos o pensamento crítico em sua profundidade, ele precisa vir acompanhado da prática, característica comum ao Empreendedorismo.
A Educação Empreendedora, numa “ciranda” de outras habilidades e competências, juntas e misturadas, é pura potência de transformação planetária.
Acho que até aqui deu para compreender a importância do futuro pautado pelo presente.
E, ainda sobre empreender nas mudanças necessárias, nós já temos a BNCC – Base Nacional Comum Curricular – como estrutura importante a ser aplicada na Educação.
O nosso desafio em aplicar e desenvolver as 10 competências gerais da BNCC nos contextos educacionais está exatamente em nossa capacidade de intraempreender nessas competências.
O pensamento crítico, uma das competências gerais, por exemplo, só ocorre quando educadores/as se comprometem e se engajam com a aprendizagem contínua.
Para Bell Hooks, no livro Ensinando o pensamento crítico, o pensamento crítico não faz exigências apenas aos estudantes, mas também pede que professores demonstrem por meio de exemplos que aprendizado ativo significa que não é possível todos nós estarmos certos em todos os momentos e que a forma do conhecimento está em constante mudança.
Com a intenção de ensinar as competências gerais da BNCC, precisamos antes vivê-las, e vivê-las pressupõe aprender coletivamente com os estudantes.
Para fechar, futuros desejáveis são aqueles construídos a partir de nossa presença plural, presença que carrega memórias, saberes e tecnologias ancestrais, presença em que os Futuros Desejáveis fazem morada e precisamos potencializar.
Essa postura diante do mundo, é importante lembrar, são cosmopercepções dos povos originários e africanos que carregam a pluriversalidade e o alargamento temporal, sendo esse a compreensão simultânea do passado, do presente e do futuro. É sobre presenças ancestrais futuristas.
Quando a gente ressignifica o passado, através da contra-história, quando a gente acessa a “história que a história não conta”, isso amplia as possibilidades do presente e que consequentemente impactam novas narrativas de futuros.
Ótimas referências brasileiras na construção de futuros afroperspectivados são Aza Njeri e Morena Mariah.
A competência 2Conhecimento” da BNCC expõe essa importância da inteligência temporal ao propor que devemos ‘valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva’”.
E a questão que fica é, depois do exposto acima, após 18 anos da Lei nº 10.639/03 e oito anos da Lei nº 11.645, como nós educadores/as temos pautado os conhecimentos afroperspectivados e de povos originários nos espaços educacionais para pluriversalizar nossa criatividade e imaginação na construção de Futuros Desejáveis?
3) O que é a Pluriversalidade e qual seu papel no futuro da Educação?
A Pluriversalidade é um conceito atribuído ao filósofo sul-africano Mogobe Ramose. Tive contato com o conceito por meio do professor Renato Noguera em seu livro “O ensino da Filosofia e a Lei 10.639”, além da Aza Njeri e Morena Mariah, citadas anteriormente.
É um conceito que questiona a universalização e a centralização na Filosofia grega, que exclui outras existências filosóficas que se dão com base em formas distintas da humanidade se relacionar com o mundo, inclusive filosofias anteriores em África.
É importante ressaltar que a proposta não é contrária ao universal. Nas palavras do professor Renato Noguera, no livro citado acima,o conceito de pluriversal não se opõe ao de universal; distante da lógica dicotômica – ‘ou isso ou aquilo’ -, a pluriversalidade nos convida a pensar usando a tática da inclusão – ‘isso e aquilo’”.
É importante ressaltar também que a pluriversalidade não defende o pluralismo intelectual. Não é sobre colocar tudo num caldeirão e misturar a ponto de nada ser identificado.
A Pluriversalidade não age no apagamento das especificidades filosóficas, ela é a defesa das perspectivas plurais. Noguera defende que através da pluriversalidade, da polirracionalidade e do reconhecimento da humanidade de todos os povos, dentro de uma perspectiva pluriversal, todos os saberes emergem de contextos culturais específicos, isto é, adventos locais que, por conta do seu caráter humano, podem ser validados em outros contextos culturais. Por exemplo, uma visão pluriversal rechaça a ideia de que um povo possa ter inventado a música.
Vocês precisam ler o livro. A Pluriversalidade nos convida aos encantos de outras existências que foram e ainda são rejeitadas pelas práticas universais, não só na Filosofia, mas em todas as áreas de conhecimento nas escolas. Ela potencializa a polirracionalidade, que seria nossa capacidade de raciocinar com base em perspectivas plurais.
Para a Educação Empreendedora que transforma, a Pluriversalidade é importantíssima. Somente mediante a polirracionalidade e a diversidade inclusiva, poderemos alcançar soluções criativas para os desafios existentes e para os que estão por vir.
É um movimento importante, no que propõe Antônio Bispo dos Santos, o Nego Bispo, a fim de desenvolvermos saberes resolutivos. A Inteligência Resolutiva é uso eficaz da nossa capacidade de imaginar, criar e inovar em prol de todas as vidas do planeta.
Infelizmente o que vemos é nossa inteligência sendo utilizada muitas das vezes de forma acrítica.
Sobre a nossa inteligência, Nei Lopes e Luiz Antônio Simas, no livro “Filosofias africanas, uma introdução”, compartilham:
“A inteligência deve ser vista como instrumento e precisa se afastar dos usos perigosos, nefastos, maléficos e egoístas. […] A inteligência deve estar a serviço do aprimoramento da comunidade e da busca pela alegria de seus membros.
Nesse sentido, defendo que precisamos desenvolver uma criatividade crítica pluriversal, que seria a nossa capacidade de imaginar e inovar em soluções para os desafios do planeta a partir da polirracionalidade, da coletividade e do pensamento crítico.
Não podemos sair por aí desenvolvendo “coisas” de forma acrítica, sem no mínimo pensar em impactos sociais, culturais, políticos, ambientais, legais, econômicos e na saúde.
Então, mais do que exercer um papel no futuro da Educação, a Pluriversalidade é importante e urgente na Educação hoje.
É urgente empreendermos na Lei nº 11.645 que visa “garantir na educação aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil”.
Precisamos “sulear” a nossa Educação. E, mais uma vez, isso não é sobre desconectar do norte, mas sim adicionar perspectivas historicamente negadas na Educação. Empreender na Educação através de Lélia Gonzalez, Nilma Lino Gomes, Beatriz Nascimento, Célia Xakriabá, Sônia Guajajara, Paulo Freire, Luana Tolentino, Davi Kopenawa e outras presenças intelectuais brasileiras.
Estou certo de que esse é um dos caminhos para a Educação do futuro ser promovida pelo encantamento.
4) Como a Educação Empreendedora pode ajudar a criar esse Futuro Desejável? Ela pode ser um caminho para a inclusão social? Se sim, como ela pode contribuir para diminuir as diferenças?
O Empreendedorismo há séculos tem sido instrumento de transformação. Para a população negra aqui no Brasil, ele foi utilizado como prática para a liberdade. Os “negros de ganho”, como eram chamados escravizados negros que atuavam no comércio, utilizavam o ganho para comprar sua alforria e a de seus “irmãos e irmãs”.
Mostra o uso potente do Empreendedorismo, mas não é uma história para romantizar.
Segundo a pesquisa GEM, emprendedores/as negros/as ganham hoje a metade que ganha um/a empreendedor/a que se autodeclara branco/a. Ou seja, junto a outras frentes, diante de um cenário de extrema desigualdade, refletida também no contexto empreendedor, há muita transformação que pode ter a participação da Educação Empreendedora.
O Sebrae Minas, por exemplo, tem realizado uma dessas ações importantes.
Há 10 anos, o Núcleo de Empreendedorismo Juvenil (NEJ) tem atuado na formação empreendedora de estudantes de escolas públicas, em sua maioria estudantes negros/as e de periferia que carregam em sua presença várias potencialidades para a transformação positiva do planeta, que expostos a uma educação de qualidade, num contexto propício ao empoderamento coletivo, tornam-se empreendedores/as para a vida.
Eles se formam para escreverem e viverem as próprias narrativas de Futuros Desejáveis e inclusivos.
A Educação Empreendedora, diante de várias especificidades, precisa vir acompanhada da interseccionalidade, para que possamos empreender conforme contexto, considerando aspectos como de raça, classe, gênero e território, que, em cruzamentos há muitas potencialidades, mas também muitas desigualdades.
A potencialidade para a transformação por meio da Educação Empreendedora é enorme, mas devemos fazê-la de forma crítica e resolutiva para não cairmos em armadilhas de precarização do trabalho, como o cooperativismo de plataforma digital, que ajuda nas urgências das pressões monetárias, mas geram várias precariedades no mundo do trabalho.
Uma Educação Empreendedora para transformar e erradicar as desigualdades precisa estar conectada ao desenvolvimento de tecnologias digitais, sociais e humanas. Precisa ser potencializada através do afeto, do amor e da solidariedade, da nossa capacidade de se comprometer coletivamente com a resolução dos problemas que afetam nosso planeta, nossa casa.
A Educação Empreendedora tem de ser resolutiva e transformar vidas.
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