Fazendo a diferença: inovação e valores humanos na Educação

Blog Fazendo a diferença: inovação e valores humanos na Educação

20/05/2022
Compartilhe este conteúdo

Como ensinar inovação e valores humanos a jovens diversos e com acessos variados aos recursos financeiros e tecnológicos? Como fazer com que os alunos aprendam e saibam utilizar o conhecimento fora da escola?

Com tantos conteúdos disponíveis na internet e em outros meios de comunicação, é preciso engajar os estudantes e torná-los cada vez mais protagonistas de seu aprendizado. E isso é possível com uma escuta ativa e a participação de todos da comunidade escolar, que entendem que a escola não é apenas um edifício, mas um lugar de formação e transformação.

Para falar sobre o tema e sobre sua experiência, convidamos o professor e palestrante Jayse Ferreira, vencedor do Prêmio Professores do Brasil em 2014 e 2017. Ele tem sido muito reconhecido pelo trabalho realizado com os estudantes para quem leciona e, em 2019, foi escolhido como um dos 50 melhores professores do mundo pelo Global Teacher Prize, considerado o Prêmio Nobel da Educação. Em 2021, recebeu o prêmio Faz Diferença, do jornal O Globo, por criar estratégias inovadoras de ensino na pandemia.

De modo geral, como trabalhar ética, segurança e responsabilidade para uma educação de mais qualidade no mundo virtual?

Acho que, antes de tudo, temos de lembrar que todo o conteúdo abordado em sala de aula deve estar conectado com a vida dos alunos. Não pode ser algo distante, temos de mostrar como aplicá-lo fora da escola também. Para além disso, devemos trabalhar ética com todos eles.

No meu campo, que é de Educação Artística, tento sempre fazê-los pensar em como cada um contribui e muda a sociedade em que vive. E acho que todas as disciplinas deveriam fazer isso. Como eu trabalho com o Ensino Médio, o protagonismo é fundamental. Não quero que o aluno decore, mas aprenda e replique. E, por isso, a ética e a cidadania são muito importantes.

O mercado exige criatividade e autoconfiança, enquanto muitas escolas se preocupam mais com o conteúdo. Nós temos a BNCC e as habilidades que devem ser desenvolvidas, mas o principal é realizar eventos práticos, incentivar a resolver problemas, dar ideias de como trabalhar com a comunidade, abordar as angústias da sociedade. Nosso erro é ficarmos presos ao conteúdo, sem analisar como inserir a comunidade, os quereres e os anseios dos alunos. Temos de pensar a educação desta forma: ajudar a fazer a diferença, a melhorar a vida da comunidade.

Sabemos que o ensino híbrido é uma realidade, mas também conhecemos as limitações que ele pode ter em relação aos recursos. Mesmo para um público sem tanto acesso, é possível gerar impacto e engajamento?

As escolas já ofereciam um tipo de ensino híbrido mesmo antes da pandemia, quando passavam pesquisa para os alunos fazerem em casa e os levava a excursões, por exemplo.

Os alunos não aprendem só nas quatro paredes da escola, mas temos de lembrar que muitos deles não têm condições de viajar, participar dessas atividades extraclasse, o que foi potencializado na pandemia.

No mundo ideal, toda escola teria equipamentos e recursos tecnológicos a fim de que os alunos os utilizassem, mas muitas não estão preparadas para essa inclusão digital. O importante é lembrar que existem outras maneiras de promover a inclusão. No ensino híbrido, podemos deixar o material impresso para o aluno que não pode acompanhar pelo computador, por exemplo. Nunca conseguiremos atingir a todos, mas podemos tentar.

Eu gosto do ensino híbrido porque é uma oportunidade para diversificar a aprendizagem. O aluno que tem dificuldade ouvindo, pode desenhar, gravar áudio, fazer um vídeo no TikTok. As lives gamificadas, por exemplo, que me renderam um prêmio em 2020, me ajudaram a diminuir a evasão dos alunos. Eu desafiava as turmas, com elementos de gamificação, e até incentivava a participação dos pais, como maneira de ganhar mais pontos.

Inovar, ouvir o aluno é fundamental. Ninguém aprende sozinho. Quanto mais atores no processo, melhor. O aluno tem de dar continuidade, e a comunidade pode abraçar também, pois a escola está dentro dela.

Como trabalhar inovação mesmo em contextos de limitação tecnológica? Diante de tais desafios, também é possível oferecer um ensino de mais qualidade?

A palavra ‘inovação’ pode ser associada à ‘tecnologia’, mas não é isso que significa. Inovar é fazer diferente. Nós pedimos que os alunos sejam criativos e inovadores, mas não oferecemos o mesmo a eles. Como eles serão inovadores no mercado de trabalho se aprenderem a ser repetitivos? Inovar é algo barulhento, é sair da sala de aula, chamar a comunidade, fazer o aluno pensar diferente.

Isso dá trabalho, claro. Requer um movimento diferenciado que conta com o apoio da escola. Todas as disciplinas conversam entre si. Se eu vou dar aula de História da Arte, posso chamar um professor de Química para falar sobre datação com carbono-14 e um de Biologia para falar sobre evolução. É fundamental ter um bom planejamento para fazer com que se amarre.

A gestão escolar também tem de se atualizar e oferecer atualização para os professores. É comum gestores serem cobrados por resultados, mas isso pode ser perigoso. Como dar nota numérica aos alunos? É complexo porque às vezes esquecemos o lado humano, deixamos de avaliar como o aluno ajuda na comunidade, por exemplo.

Os alunos são muito diversos, como oferecer um ensino que os engaje?

Vou contar minha experiência: no primeiro dia de aula, faço a ‘chamada’ e pergunto o que cada um deles faz de melhor. Pode ser cantar, pintar, correr, desenhar, qualquer coisa. Também questiono sobre o que gostam  de ler e a que programa assistir. Faço isso para entrar no mundo deles fora da escola e conseguir trazer esses elementos para minha aula. Dessa forma, eles sentirão que foram ouvidos, percebem que a escola não é um mundo à parte, e eu consigo acessar verdadeiramente a diversidade.

Nós temos que conhecer o aluno, não só no aspecto pedagógico, sabe? Será que a mãe dele é costureira ou o pai motorista? Como trazer esses elementos para a sala de aula? É trabalhoso personalizar o ensino dessa forma, mas temos de fazer isso. Imagina avaliar todos apenas por escrito. Como ficam aqueles que não gostam de escrever e falam melhor? A escola é para todos, então por que fazer a avaliação igual?

O que temos de fazer é um diagnóstico sobre quem ele é, como aprende e o que sabe. E, juntamente com a gestão escolar, tentar individualizar a aprendizagem.

Qual o papel da comunidade nesse contexto?

Todos são muito importantes. A comunidade deve e pode muito ajudar, mas geralmente só vamos atrás deles quando precisamos. Esquecemos do conhecimento que eles têm e como podem contribuir. São pessoas que podem trazer conhecimento para a escola e que podem falar com propriedade sobre vários temas.

A internet nos traz grandes possibilidades, mas também há riscos e muito discurso de ódio. Como trabalhar nesse ambiente com ética e segurança?

Temos de ser sempre sinceros com os alunos. Não é bom ocultar nenhum assunto, já que precisamos ter em mente que eles vão para o mercado e quanto mais preparados para a vida real, melhor.

Os haters existem e trabalham em cima de mentiras. Por isso eu reforço com os alunos que eles devem ir atrás das fontes: quem é o especialista, qual o site?

Nunca devemos dizer que o mundo é perfeito. Em nosso projeto, recebemos críticas e usamos isso a fim de abordar temas como bullying, perseguição, xenofobia, transfobia e outros. Quando encontro antigos alunos que estão trabalhando, eles comentam como foi importante passar por esse processo para saber conviver com isso no mundo real.

Quais valores são importantes de ser trabalhados mesmo no mundo digital?

Um deles é a cooperação. Costumo dizer que, se o Leonardo da Vinci estivesse vivo, estaria desempregado, uma vez que ele não sabia trabalhar em conjunto. Eu gosto de trabalhar com ajuda mútua, com a ideia de que eu vou longe se você for comigo.

Empatia também é fundamental. A pergunta que devemos fazer é: como podemos ajudar? A escola que quero é aquela em que os conteúdos ajudam os estudantes a serem empáticos. Temos de ter metas, claro, mas não passar por cima para ter o que quer. Às vezes falamos de tal forma que estimulamos uma postura individualista, mas, quando vai para o mercado de trabalho, o jovem encara um espaço que deve ser colaborativo.

Para concluir, pode dar uma dica para quem quer trabalhar inovação e valores humanos no mundo digital e não sabe como começar?

A primeira é: conheça sua comunidade. Não inicie as aulas com assuntos que não têm conexão com o dia a dia. Ouça e valorize os conhecimentos prévios que eles trazem para a escola.

Depois de descobrir o que os alunos gostam, pergunte sobre como podem contribuir na sala de aula. Será que sabem filmar e editar? Quando deixamos o aluno com vontade de aprender, podemos ensinar qualquer tema e teremos engajamento.

Nós precisamos despertar o querer, o engajamento. Eles se sentem úteis e poderão ajudar nos projetos.

Conheça os projetos desenvolvidos pelo professor Jayse:

Eu sou uma Obra de Arte: Etnias do Mundo

Vamos enCURTAr essa história

Compartilhe este conteúdo

Assine a Newsletter

Fique por dentro de todas as novidades