O papel do afeto no processo de mediação de aprendizagem

Blog O papel do afeto no processo de mediação de aprendizagem

13/10/2023
Compartilhe este conteúdo

Antes de considerar qualquer recurso, ferramenta ou tecnologia digital, é preciso pensar do que se constitui o processo de mediação da aprendizagem. E não é necessário ir muito longe para encontrar a resposta: todo o processo se baseia, essencialmente, na interação humana. 

Por muito tempo, o papel do professor foi visto como o de um transmissor da mensagem, do conteúdo, e acreditava-se que o processo era uma via de mão única. Quando falamos de mediação, estamos nos referindo a uma troca entre docente e estudante – e as conexões desenvolvidas e estabelecidas ao longo do tempo é que constituem o cerne do processo educativo. É por isso que educar diz respeito também a afeto.

Neste post, vamos explicar melhor a importância do afeto nesse processo, valendo-nos da teoria de desenvolvimento de Henri Wallon – educador francês nascido em 1879, uma das figuras responsáveis por colocar luz sobre o papel da afetividade no processo evolutivo. 

A psicologia da educação e a teoria de Wallon

Em uma videoaula da Universidade Virtual do Estado de São Paulo, da disciplina de Psicologia da Educação, a professora Rita Melissa Lepre fala sobre a importância da afetividade no processo de mediação da aprendizagem, usando como texto-base o artigo Afetividade e processo ensino-aprendizagem: contribuições de Henri Wallon, de autoria de Abigail Alvarenga Mahoney (PUC-SP) e Laurinda Ramalho de Almeida (Faculdades Oswaldo Cruz). 

“A afetividade é importante tanto para a relação professor-aluno quanto no processo de ensino-aprendizagem. A psicologia, mais especificamente a psicologia da educação, se interessa muito por esse fenômeno e em como ele vai estar presente nessas relações”, declara a professora. Ela lembra, também, como a percepção disso passou por mudanças nos últimos tempos. “A afetividade não é algo que atrapalha, porque durante um tempo ela foi vista assim, como aquilo que atrapalharia a cognição, e o que o [Henri] Wallon traz pra gente é exatamente o contrário, dizendo que a afetividade pode ser uma aliada nesse processo. A gente precisa reconhecer como ela se desenvolve e como podemos utilizá-la durante todo esse processo, que, obviamente, envolve a relação entre professor e aluno”, aponta Rita. 

Para entender esse contexto, vale ter em mente que, em sua teoria, Henri Wallon define, como artifício para estudo, três grandes conjuntos ou domínios funcionais que compõem a vida psíquica e separa os estudos que uma criança percorre em seu estado evolutivo: as dimensões afetiva, motora e cognitiva. Elas coexistem e formam o quarto conjunto funcional, a pessoa, que carrega a integração dessas dimensões. Veja: 

“Os conjuntos ou domínios funcionais são, portanto, constructos de que a teoria se vale para explicar o psiquismo, para explicar didaticamente o que é inseparável: a pessoa.

O conjunto afetivo oferece as funções responsáveis pelas emoções, pelos sentimentos e pela paixão.

O conjunto ato motor oferece a possibilidade de deslocamento do corpo no tempo e no espaço, as reações posturais que garantem o equilíbrio corporal, bem como o apoio tônico para as emoções e os sentimentos se expressarem.

O conjunto cognitivo oferece um conjunto de funções que permite a aquisição e a manutenção do conhecimento por meio de imagens, noções, ideias e representações. É ele que permite, ainda, registrar e rever o passado, fixar e analisar o presente e projetar futuros possíveis e imaginários.

A pessoa – o quarto conjunto funcional – expressa a integração em todas as suas inúmeras possibilidades.”

Fonte: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psie/n20/v20a02.pdf.

Então, considerando todos esses conjuntos funcionais que existem simultaneamente e funcionam de maneira integral, como a afetividade pode ser útil para a aprendizagem? Acompanhe e descubra! 

Recursos para a mediação da aprendizagem 

Além dos conjuntos funcionais, Wallon propõe a separação dos cinco estágios do desenvolvimento. No artigo, Abigail e Laurinda*  definem como a afetividade pode se manifestar enquanto recurso de aprendizagem em cada um desses estágios. Esses detalhes podem ser valiosos para traçar diferentes estratégias na mediação da aprendizagem. Veja: 

*As definições e os recursos apresentados a seguir foram resumidos com base no artigo citado, “Afetividade e processo ensino-aprendizagem: contribuições de Henri Wallon”. Algumas informações foram suprimidas propositalmente para esta publicação. 

1º estágio: impulsivo-emocional (até 1 ano)

Aqui, a criança expressa sua afetividade através de movimentos descoordenados, respondendo a sensibilidades corporais. 

O recurso de aprendizagem nesse momento é a fusão com outros. A mediação da aprendizagem exige respostas corporais, contactos epidérmicos, daí a importância de se ligar ao seu cuidador, que segure, carregue, que embale. 

Por meio dessa fusão, a criança participa intensamente do ambiente e, apesar de percepções, sensações nebulosas, pouco claras, ela vai se familiarizando e apreendendo este mundo, portanto, iniciando um processo de diferenciação.

2º estágio: sensório-motor e projetivo (1-3 anos)

Quando já dispõe da fala e da marcha, a criança se volta para o mundo externo para um intenso contato com os objetos e a indagação insistente do que são, como se chamam, como funcionam.

O lado afetivo da mediação da aprendizagem se revela pela disposição do professor de oferecer diversidade de situações, espaço, para que todos os alunos possam participar igualmente e pela sua disposição de responder às constantes e insistentes indagações na busca de conhecer o mundo exterior, e assim facilitar para o aluno a sua diferenciação em relação aos objetos.

3º estágio: personalismo (3-6 anos)

Neste estágio, existe outro tipo de diferenciação — entre a criança e o outro. É a fase de se descobrir diferente das outras crianças e do adulto. 

A mediação da aprendizagem precisa envolver atividades diferentes e a possibilidade de escolha pela criança das atividades que mais a atraiam. O adulto será o recipiente de muitas respostas: não; não quero; não gosto; não vou; é meu. O importante do ponto de vista afetivo é reconhecer e respeitar as diferenças que despontam. Chamar pelo nome, mostrar que a criança está sendo vista, que ela tem visibilidade no grupo pelas suas diferenças, propor atividades que mostrem essas diferenças, dar oportunidades para que a criança as expresse.

Como, neste estágio, a direção é para si mesma, a criança aprende principalmente pela oposição ao outro, pela descoberta do que a distingue de outras pessoas. O tipo de afetividade que facilita essas aprendizagens comporta oportunidades variadas de convivência com outras crianças de idades diferentes e aceitação dos comportamentos de negação, lembrando que são recursos de desenvolvimento.

  • 4º estágio: categorial (6-11 anos)

A diferenciação mais nítida entre o eu e o outro dá condições mais estáveis para a exploração mental do mundo externo, físico, mediante atividades cognitivas de agrupamento, classificação, categorização em vários níveis de abstração até chegar ao pensamento categorial. A organização do mundo em categorias bem definidas possibilita também uma compreensão mais nítida de si mesma.

Neste estágio, que coincide com o início do período escolar, a aprendizagem se faz predominantemente pela descoberta de diferenças e semelhanças entre objetos, imagens, ideias. O predomínio é da razão. Tal predomínio vai se expressar em representações claras, precisas, que se transformarão, com o tempo, em conceitos e princípios. Na mediação de aprendizagem, levar ou não em consideração o que o aluno já sabe, o que precisa saber para dominar certas ideias, os exercícios necessários, formas de avaliação, revelam sentimentos e valores e favorecem ou não essa descoberta do mundo.

  • 5º estágio — puberdade e adolescência (11 anos em diante)

Neste estágio, vai aparecer a exploração de si mesmo, na busca de uma identidade autônoma, mediante atividades de confronto, autoafirmação, questionamentos, e para isso ele se submete e se apoia nos pares, contrapondo-se aos valores tal qual interpretados pelos adultos com quem convive. O domínio de categorias cognitivas de maior nível de abstração, nas quais a dimensão temporal toma relevo, possibilita a discriminação mais clara dos limites de sua autonomia e de sua dependência.

Na puberdade e na adolescência, o recurso principal de aprendizagem do ponto de vista afetivo volta a ser a oposição, que vai aprofundando e possibilitando a identificação das diferenças entre ideias, sentimentos, valores próprios e do outro, adulto, na busca para responder: quem sou eu? Quais são meus valores? Quem serei no futuro?, o que é permeado por muitas ambiguidades.

O processo ensino-aprendizagem facilitador do ponto de vista afetivo é aquele que permite a expressão e a discussão dessas diferenças e que elas sejam levadas em consideração, desde que respeitados os limites que garantam relações solidárias.

Com base nessa teoria, diferentes movimentos podem ser planejados para a mediação da aprendizagem, concorda? Vale o exercício! 

Fica evidente, de toda forma, que a figura do professor é indispensável para esse processo: é o educador o responsável por construir e gerar o afeto, a percepção e o significado na mediação da aprendizagem. Isso mora na capacidade humana – insubstituível – de ensinar e acolher, considerando toda a complexidade que compõe um processo educativo. 

Gostou desse conteúdo e acredita que ele será útil para enriquecer o seu processo de mediação da aprendizagem? Não deixe de acompanhar o Portal do CER e ficar por dentro de tendências, ferramentas e entrevistas exclusivas do mundo da educação.

Compartilhe este conteúdo

Assine a Newsletter

Fique por dentro de todas as novidades