O papel do professor no desenvolvimento do protagonismo juvenil – entrevista com Dani Lima

Blog O papel do professor no desenvolvimento do protagonismo juvenil – entrevista com Dani Lima

01/11/2023
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 A palavra protagonista tem como origem o termo grego “protagonistes”, em que “protos” significa “primeiro”, e “agonistes” faz referência à “ator”, “lutador”. No dicionário, a definição é “personagem mais importante daquilo que participa”. 

E quando falamos de protagonismo juvenil, então, de que exatamente se trata? É “só” um jovem protagonista? Qual o papel do professor nesse desenvolvimento? Para encontrar essas e outras respostas, conversamos com a professora Dani Lima, especialista em Gestão Educacional (UFSM), com foco em educação inclusiva e em Educação e Tecnologias (UFSCar), e integrante da comunidade global de professores inovadores da Microsoft. O papo foi pra lá de interessante. Confira! 

1. Em primeiro lugar, como podemos definir o protagonismo juvenil? 

A primeira coisa que considero fundamental é estabelecer que ser protagonista não é ser um mero executor. O estudante precisa ter alguma autonomia no seu percurso de aprendizagem. É preciso criar espaço para que ele opine, se posicione e proponha soluções. Portanto, não se pode definir como protagonista o jovem que, por exemplo, seja o apresentador de um seminário, se o professor foi quem redigiu o seu discurso — embora desempenhe um papel central.

 

2. Por que e como esse protagonismo contribui para o desenvolvimento e a formação dos jovens? 

Quando penso no protagonismo estudantil, gosto muito de exemplificar com Aprendizagem Baseada em Projetos. Nesse processo são desenvolvidas importantes competências que servem para toda a vida. A argumentação é uma delas, que pode ser usada na negociação entre pares em diferentes contextos: na vida familiar, depois, no ambiente de trabalho. Aprende-se muito sobre gestão do tempo, percebendo, na prática, qual a real diferença entre a ideia e a ação, o quanto é fundamental ter um planejamento dessas ações, dividindo bem as tarefas no grupo, compartilhando assim as responsabilidades. 

Outro ponto relevante é o engajamento. Muito se fala sobre a relação entre protagonismo e engajamento, mas como nós, professores, podemos, unilateralmente, definir o que verdadeiramente engaja nossos estudantes? Por isso, o protagonismo só acontece se eles tiverem voz e vez, forem ouvidos na construção das propostas e ideias que afetam diretamente sua rotina na escola. 

Como exemplo, gosto de citar um evento bem frequente nas escolas: a feira de ciências. Normalmente os temas dessas feiras já vêm definidos para os alunos. Por quê? Não podemos pensar num tema geral e deixar que eles definam o recorte?

Um dos meus projetos foi selecionado para representar o Brasil no E2 – Education Exchange, evento global de educação organizado pela Microsoft, que aconteceu em Paris, em 2019. A ideia do projeto, que foi para a feira de ciências da escola, veio da minha turminha de 6º ano: Astronomia, tema pelo qual a maioria era apaixonada! Em toda a construção do Escape Room, da narrativa aos elementos decorativos da sala, para criação da experiência imersiva, os estudantes foram protagonistas. O resultado foi uma fila de pais para entrar na sala e, para mim, uma experiência transformadora: aprendi muito com eles, percebi o quanto era control freak e descobri o quanto eles podem muito mais do que imaginamos!

3. Pela perspectiva de um professor, quais são as etapas presentes na estruturação de uma ação/atitude protagonista? 

Primeiro identificar como e quando os estudantes podem contribuir nesse planejamento. Não dá pra fazerem tudo! Já pensou eles mesmos elaborando as questões da prova? Mas podemos pensar juntos em que instrumentos avaliativos podem ser usados num determinado bimestre e deixar que escolham entre uma avaliação formal ou um seminário. Eles podem ajudar na elaboração de rubricas para avaliar uma produção textual, uma apresentação oral ou projeto. 

Definidos esses momentos, a primeira etapa é uma roda de conversa e a definição de combinados e prazos. A rotina na escola obedece a um cronograma e os meninos precisam saber que ser protagonista envolve compromisso e responsabilidade.

Após essa definição vem a execução, quando as coisas planejadas precisam acontecer dentro do prazo estabelecido. A última etapa é o fechamento da ação, oportunizar uma autoavaliação, para que verifiquem se os objetivos de aprendizagem foram alcançados, se as ações planejadas foram cumpridas da forma e no tempo que idealizaram. Esse feedback pode ser coletivo, mas também gosto de enviar um formulário digital para que façam uma reflexão individual.

4. Quais dicas você dá para um professor que quer desenvolvê-lo em sala de aula? 

O mais difícil é abrir mão do controle. Quando penso na minha atuação como professora de Português em ações como a elaboração de um texto, percebo o quanto direcionava e até mesmo limitava meus alunos ao dizer sobre o que escrever, como e até de quantas linhas dispunham para isso. Claro que existem momentos em que precisarão treinar para isso, como o Enem, mas precisa realmente ser assim o tempo todo?

Depois é realmente dar um primeiro passo, criar uma oportunidade. Minha sugestão é começar pelos projetos e depois, quando todos estiverem mais amadurecidos com essa redefinição de papéis, avançar para práticas mais recorrentes e rotineiras.

A prática mais avançada, aprimorada do protagonismo é quando oportunizamos ações que ultrapassam os muros da escola e conectam esses estudantes com seu contexto social, sua comunidade, aproximando-os e levando-os a intervir nessa realidade, promovendo ações e propondo soluções.

5. O que esse professor deve priorizar e/ou evitar? 

Como prioridade coloco a escuta ativa. É preciso estimular que os estudantes se ouçam e isso demanda uma resposta. Por isso, cabe ao professor fomentar essa prática e estimular a troca entre eles. Já algo que precisa ser evitado é a retomada do controle. A tendência é que, quando vemos que algo não está saindo como planejado, assumimos novamente o “leme” da situação. Os meninos precisam aprender que o erro faz parte do processo e que, quando as coisas não saem como planejado, é preciso recalcular a rota. Este foi um aprendizado difícil. O que podemos fazer é criar momentos de validação, reuniões de alinhamento para verificar o andamento das ações e, juntos, definirmos se ainda temos tempo para insistir ou se devemos pensar em alternativas, propor mudanças de percurso.

6. Existe um perfil específico que um educador precisa ter para ser capaz de desenvolver o protagonismo juvenil? 

Ele precisa acreditar em aprendizagem ativa! Ou, pelo menos, ser aberto a conhecer as metodologias ativas. Outro ponto importante é que o protagonismo precisa ser um elemento cultural, portanto, o ideal é que faça parte do projeto pedagógico da escola, para não ficar restrito a alguns momentos, atrelados a uma disciplina ou professor.

7. Quais são os benefícios do desenvolvimento desse protagonismo para a relação professor-aluno? 

Acho que a empatia é um dos maiores benefícios. Fazer com que um enxergue de verdade o outro. Por termos sido estudantes, achamos que sempre sabemos como é estar no lugar deles, mas muita coisa mudou desde a época em que eu ocupava uma cadeira na Educação Básica. Para eles, entender as tarefas que envolvem o trabalho docente, as responsabilidades, a eterna briga contra o relógio. Quando meus alunos começaram a pensar nos instrumentos avaliativos e depois começaram a elaborar as rubricas de avaliação, perceberam que verificar a aprendizagem é algo muito mais complexo que colocar “certo” ou “errado” nas questões de uma prova.

A comunicação melhora muito também. Menos ruídos e mais produtividade!

8. Qual retorno os próprios professores têm ao estimular o protagonismo juvenil? 

Para mim, as aulas se tornaram mais prazerosas, o tempo passa mais depressa e sempre me surpreendo. Olhando para a aprendizagem em si, saber que eles saem com um conhecimento que ultrapassa identificar e definir um substantivo ou saber escrever adequadamente uma dissertação. O protagonismo oportuniza um desenvolvimento holístico do estudante, promove a tão falada formação integral.

9. Como incentivar os gestores educacionais a valorizarem e investirem nesse tema?

Acho que a melhor maneira de incentivar os gestores é fazê-los participar desses momentos dentro e fora da escola. Um dos melhores eventos de educação que já participei é o ICLOC, evento centrado no compartilhamento de práticas pedagógicas. Mas, para além dos grandes eventos, que são exceção dentro do calendário escolar, seria bom ter os gestores assistindo a um desses momentos em que os estudantes contribuem para o planejamento de uma ação.

10. Quais materiais (filmes, livros, podcasts, portais etc.) recomendaria para um professor que quer se aprofundar na importância do tema? 

Livros: 

Vídeos, matérias, sites, entrevistas:

  • Site do Cenpec, organização da sociedade civil sem fins lucrativos que promove equidade e qualidade na educação pública brasileira.
  • Seção “Histórias” da Ashoka (organização internacional sem fins lucrativos com foco em empreendedorismo social) com relatos inspiradores diversos, inclusive sobre protagonismo social.

Gostou desse bate-papo e quer ficar por dentro de outras entrevistas com especialistas em educação? Acesse o Portal CER e confira as conversas que publicamos mensalmente!

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