Transformar com o que se tem em mãos – Entrevista com Damione Damito

Blog Transformar com o que se tem em mãos – Entrevista com Damione Damito

12/10/2017
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Damione Damito é professor de infraestrutura de redes no Instituto Federal de São Paulo. Idealizador e apresentador do podcast Papo de Professor, que divulga conteúdo sobre novas ideias, teorias e boas práticas de educação há dois anos. Durante temporada de cinco meses na Finlândia, cursou o programa especial em Educação Profissional na HAMK University of Applied Sciences, onde desenvolveu pesquisas em novas tecnologias educacionais, ferramentas on-line de colaboração, internacionalização e formação continuada docente. Para ele, o sucesso do sistema de ensino educacional finlandês, tido como exemplo mundial, é consequência de um conjunto de fatores que favorecem a educação inovadora e empreendedora. A valorização de ambientes informais de ensino e a figura do professor como agente de inspiração são alguns deles.

Damione defende que a resiliência é a atitude que define o empreendedorismo, pois é capaz de manter o foco no objetivo final e funciona como combustível para superar os desafios. Em entrevista, ele fala sobre a experiência na Finlândia e como inovar em sala de aula de maneira simples e com os recursos disponíveis.

Brasil e Finlândia são países geograficamente, economicamente e culturalmente muito diferentes. É possível comparar o ensino da Finlândia com o ensino brasileiro?

Não é sensato comparar Brasil com Finlândia em nenhum aspecto. Toda a população da Finlândia – 5 milhões de pessoas – equivale à metade da população da cidade de São Paulo. Os países têm históricos e até climas totalmente diferentes. São realidades distintas e isso também se aplica à educação.

O que podemos trazer da experiência finlandesa para o Brasil?

Quando falamos no ensino da Finlândia, é muito importante não acharmos que o mesmo modelo vai funcionar no Brasil. Eu passei cinco meses lá e, quando voltei, decidi mudar totalmente minhas aulas. Apliquei, durante um semestre, absolutamente tudo o que havia aprendido e meu resultado foi surpreendente: eu falhei. Foi um completo caos para mim e para meus alunos.

O que podemos fazer é conhecer alguns exemplos, entender como eles funcionam e, na medida do possível, aplicá-los, adaptando-os à nossa cultura. Outra recomendação que eu dou aos professores é que eles comecem devagar, passo a passo. Por exemplo, uma mudança que o professor pode aplicar desde já em sala de aula é repensar o modelo padronizado de avaliação. Nossa organização didática permite uma avaliação individual do aluno. Outra mudança é passar a ouvir o aluno, saber o que ele anseia, o que ele gosta. São mudanças simples, pequenas e muito significativas e que podem ser aplicadas.

Como você tenta levar práticas informais ao ambiente formal de ensino, que é a sala de aula?

Dou aulas de infraestrutura de redes para adolescentes de 14 anos e sei que eles gostam de jogar. Ao invés de simplesmente montar uma rede de computador com eles, decidimos montar uma rede de uma lan house. Construí toda minha aula a partir desse plano de fundo e, com isso, o número de evasões foi praticamente zero.

Em algumas disciplinas, os alunos têm que fazer uma apresentação do projeto ao final do semestre. É o que praticamente todo professor faz. Para prepará-los melhor para o mercado, convidei dois alunos de uma série mais avançada para compartilhar sobre como eles deveriam se vestir e comportar durante uma apresentação. A configuração da sala de aula mudou: eram alunos conversando com alunos. Com isso, eles se sentiram muito mais confortáveis para tirar dúvidas e fazer comentários.

Inicialmente, eu só explicaria que o aluno deveria se vestir de maneira coerente, prestar atenção no que falar e entender sobre a identidade da empresa, para estabelecer uma conexão com ela. A partir da mudança que fizemos, os alunos começaram a abordar questões complexas como preconceito, paradigmas e apropriação cultural. Tudo isso foi trazido por eles próprios para a sala de aula e tornou o ambiente mais abrangente. Nossos objetivos de aprendizado foram ampliados.

É possível, na sua opinião, inovar dentro de um modelo tradicional de educação?

É muito importante entendermos que a sala de aula tradicional – o modelo clássico de 50 minutos de aulas expositivas – não é suficiente. Mas isso não deve servir de impedimento para a inovação. O professor consegue inovar dentro do modelo tradicional. Não é o ideal, mas é possível com um pouco de jogo de cintura e criatividade. O professor tem a missão de inovar e provocar mudanças porque estamos formando aqueles que definirão as políticas do amanhã. Então, se o professor não estiver inspirado, ele não consegue inspirar. No entanto, isso não elimina a necessidade de mudanças, elas são necessárias.

Quais são os principais desafios dos professores ao lidar com os anseios e formas de pensar das novas gerações?

Geralmente, os exames internacionais que medem a qualidade do ensino no Brasil apontam que não há continuidade na formação do docente brasileiro. O professor é inserido no ecossistema da educação e normalmente não se recicla, não conhece coisas novas. A partir daí se perpetuam os padrões.

Quando o professor continua a sua formação, constrói redes de apoio e comunidades de aprendizagem, compartilha dificuldades com outros professores, cria identidade, aumenta os laços e, assim, se fortalece. Alguns estudos mostram que isso diminui até o número de licenças médicas porque ele passa a ter um sentimento de pertencimento.

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