Empreendedorismo por mulheres e para mulheres – Entrevista Priscila Gama

Blog Empreendedorismo por mulheres e para mulheres – Entrevista Priscila Gama

21/03/2019
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Em 2015, acompanhando a repercussão da hasthtag #meuprimeiroassédio, criada pela Think Olga, Priscila Gama percebeu que muitas das queixas das mulheres em relação à segurança estavam relacionadas à mobilidade urbana. Foi então que ela decidiu aliar a tecnologia a seus conhecimentos da formação em arquitetura e urbanismo para criar uma solução que permitisse às mulheres se deslocarem com mais segurança em grandes centros urbanos. “A influência que o ambiente externo tem no comportamento das pessoas sempre foi algo que me chamou a atenção. Sabemos, por exemplo, que locais mal iluminados apresentam índices maiores de violência”, conta.

Nascia, então, a Malalai, tecnologia para a segurança pessoal de mulheres por meio de um aplicativo, que mostra os pontos positivos e negativos da rota (local escuro, sem movimento, sem comércio, por exemplo) e avisa alguém sobre sua localização. A solução também conta com um acessório para pedir ajuda em casos de emergência.

Conversamos com Priscila sobre educação empreendedora e empreendedorismo feminino, os principais obstáculos que ela enfrenta na jornada como empreendedora e o uso da tecnologia para a transformação social. A entrevista você confere a seguir.

1 – O empreendedorismo sempre foi uma opção de atuação profissional para você?

Apesar da formação empreendedora ser muito deficitária nos cursos de arquitetura, o arquiteto é formado para empreender, para trabalhar como autônomo. Os alunos não saem dos cursos com uma base de administração – grande falha dos cursos de arquitetura, na minha opinião –, mas, como profissionais autônomos, os arquitetos têm que empreender. Ou deveriam, pelo menos.

No início, o objetivo não era que a Malalai se transformasse em um negócio, mas apenas em um aplicativo de companhia virtual (compartilhamento de rota). Mas participamos de um Startup Weekend e, em seguida, fomos convidados para participar do programa de aceleração Lemonade, em 2016.

Nessa época, aplicamos mais de dois mil questionários, fomos às ruas para conversar com as pessoas e descobrimos que a solução do aplicativo, sozinha, não era suficiente, então a ideia ganhou outras frentes. Percebemos a necessidade de haver um botão de pânico no aplicativo, mas pensamos: “Como a pessoa vai pegar o celular, desbloqueá-lo e acionar o botão de forma rápida e discreta?”. Foi aí que surgiu a ideia das joias. Fizemos um financiamento coletivo e nele oferecemos aos apoiadores um acessório 2 em 1: um anel, cuja peça principal pode ser retirada e transformada em pingente de um colar.

O aplicativo, em Android e IOS, já está rodando há mais de um ano. E estamos na fase de produzir as joias que já vendemos para entrega.

2 – Como foi seu contato com a educação empreendedora ao longo da vida? Você teve experiências de empreendedorismo na educação básica ou superior?

Acredito que empreendedorismo é algo que se aprende, mas também algo que nasce com você. Cresci na oficina mecânica do meu pai, onde também trabalhava a minha mãe. Então não crescemos com a ideia de que a única alternativa é ter um emprego. Minha irmã é empreendedora também, é formada em moda e tem uma marca de lingerie. Esse espírito sempre esteve presente na minha casa.

Não venho de uma família abastada, nossa vida financeira sempre oscilou muito. E vejo que, entre famílias negras, isso é muito comum, especialmente entre as de baixa renda. São famílias que estão sempre se virando para fazer um ‘extra’. A base do empreendedorismo é você se virar. Falta a formalização do empreendedorismo, mas ele está na veia do brasileiro de classe baixa, empreender é uma necessidade.

E a formalização desse conhecimento veio, principalmente, durante o MBA (em gestão de negócios imobiliários).

priscila gama

3 – Nesses anos como empreendedora, quais os desafios que você, como mulher, enfrenta?

As barreiras acabam sendo obstáculos que as mulheres enfrentam em qualquer área. Converso com mulheres de áreas diferentes de atuação, e as dificuldades são praticamente as mesmas. A principal, eu acredito, seja a falta de credibilidade que as mulheres têm, independentemente de trabalharem para alguém, desenvolvendo um software ou abrindo o próprio negócio. As pessoas não apostam muito na sua ideia ou ficam esperando você escorregar, não te levam a sério.

Há mulheres que têm muito receio ainda de empreender. O que costumo falar para elas é que o que elas vão enfrentar como empreendedoras é o que elas vão enfrentar em qualquer lugar, se  quiserem crescer profissionalmente. Não vai ser fácil. É escolher e assumir o risco. Entre construir algo grandioso, mesmo com essas barreiras, e não construir nada, é melhor optar por construir algo grandioso.

4 – Por outro lado, quais são as contribuições que as mulheres podem levar aos ecossistemas empreendedores?

Corremos o risco de cair no primitivismo,  algo de que eu não gosto, que é definir como uma mulher ou como um homem sempre se comportam. Não acho que exista uma questão de instinto, mas uma construção social.

Mas o que eu vejo é que mulheres são mais atentas aos detalhes, ao que está nas entrelinhas ou não é dito de forma óbvia. Nós, mulheres, buscamos sempre entender o que não foi citado com palavras. Temos essa facilidade.

Outro ponto é o olhar para o time de maneira diferente, um olhar mais humano. Quando uma pessoa não está rendendo da maneira como deveria, conseguimos olhar para essa pessoa e entender o que está por trás dessa dificuldade, que nem sempre é técnica. Temos uma sensibilidade maior.

O terceiro ponto é nossa capacidade de construir redes. Principalmente nos dias de hoje, as mulheres se movem muito pelo exemplo. Recebo muitas mensagens de mulheres que dizem que começaram a fazer algo depois que viram o que eu fiz. Há uma capacidade de construir redes e despertar para o fato de que, se nos apoiamos, conseguimos ir mais longe. E não existe empoderamento individual, usamos esse termo de forma equivocada frequentemente. Crescer individualmente não é empoderamento. Empoderamento é mover a massa.

Então, percebo entre as mulheres empreendedoras com quem converso que o olhar mudou. As pessoas percebem a importância de se esforçarem para ter mulheres nos times com outra visão. Trabalhar a diversidade, não só com a presença de mulheres, mas também de negros e de pessoas com diferentes vivências, agrega valor para a empresa e traz diferentes pontos de vista sobre uma mesma questão.

5 – Vocês criaram uma solução que pode salvar vidas. Qual é o poder que o empreendedorismo tem para transformar realidades na sua opinião?

Não sei se vou presenciar, mas acho que no futuro não vão restar mais problemas para o ser humano resolver a não ser aqueles que ele mesmo cria, que são problemas sociais: de desigualdade, de fome, de segurança, e problemas – frutos de uma estrutura que também ele criou. Acho que grande parte das doenças (não as geradas por ação do ser humano) vão estar resolvidas, os serviços, principalmente ligados à indústria, também. Vai sobrar pouca coisa para a gente operacionalizar. Vamos ter que ser o que nascemos para ser: seres pensantes. Acredito que a tecnologia é extremamente excludente – ainda temos esse desafio para enfrentar –, mas o futuro da tecnologia é  desenvolver problemas sociais criados por nós mesmos. A tecnologia tem que deixar de ser fim e virar meio, virar instrumento de transformação. Hoje, muitas vezes, ela ainda é fim, não está sendo usada para resolver problemas da sociedade.

Temos estudos que mostram que o poder de mobilização coletiva é muito grande. Temos o caso do Waze, por exemplo, que é colaborativo e consegue mudar toda a rotina de uma cidade. Mas por que não usamos essa revolta coletiva para pensar em soluções? Precisamos focar em ver a tecnologia como meio e pensar mais no potencial humano.

Conheça mais sobre a solução de segurança criada pela Malalai para as mulheres:


Quer saber também como o empreendedorismo tem mudado a realidade de mulheres na África? Confira neste post.

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