Educação Empreendedora na BNCC (Professora Guiomar Namo de Mello)

Blog Educação Empreendedora na BNCC (Professora Guiomar Namo de Mello)

13/10/2022
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A Educação Empreendedora ganhou nova roupagem ao ser incorporada pela Base Nacional Curricular Comum (BNCC). As escolas que já haviam iniciado o trabalho do empreendedorismo saíram à frente, mas há ainda um longo caminho a ser percorrido.

Você sabia que a Educação Empreendedora está direta ou indiretamente relacionada com as 10 competências da BNCC? É isso que a entrevista com Guiomar Namo de Mello vai elucidar.

Confira a entrevista na íntegra!

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1 – Antes de mais nada: o que é a Educação Empreendedora para você?

Educação Empreendedora não é um conceito fixo, mas está evoluindo. O empreendedorismo, durante muito tempo, foi uma iniciativa principalmente do Sebrae nas escolas, que teve um papel relevante na construção desse conceito na educação brasileira.

Nos últimos anos, houve uma mudança muito grande no mundo. E o empreendedorismo foi colocado entre as habilidades que seriam importantes para viver no século XXI. Aquilo que o Sebrae vinha fazendo foi incorporado em uma perspectiva mais ampla – da educação integral – na qual o empreendedorismo tem um papel relevante.

Mas, hoje, a Educação Empreendedora não é mais o único tema a perseguir no currículo escolar, como era a princípio.

Esse conceito de Educação Empreendedora está evoluindo, no sentido de que a visão de essa ter sido  incorporada à BNCC – ela é abrangida pela Base – contribui para a Base e ao mesmo tempo se amplia valendo-se dela.

O empreendedorismo está ligado hoje com as competências gerais e se relaciona com o que se denomina ‘projeto de vida na Base’.

Por outra perspectiva, o conceito está ligado também com as atividades valorizadas pela OCDE e pelos organismos internacionais, que são as habilidades de autonomia, liderança e iniciativa. Isso tudo compõe um conjunto de competências e habilidades a serem perseguidas pelos currículos escolares.

Portanto, a Educação Empreendedora está hoje dentro de um elenco de outras competências e continua tendo um papel muito importante dentro de uma educação integral.

2 – Quais as habilidades e as competências a Educação Empreendedora compreende e desenvolve? E da BNCC, quais as competências mencionam a Educação Empreendedora?

Primeiramente, retomando o tópico anterior, precisamos entender que o conceito de Educação Empreendedora evoluiu, e muito disso ocorreu com o trabalho do Sebrae.

Antes mesmo da versão atual da BNCC, o conceito foi se ampliando e incorporou competências que hoje estão tanto na Base quanto nas avaliações internacionais – como liderança, autonomia e outras habilidades importantes que atualmente estão ligadas ao empreendedorismo.

O que difere é que dentro da BNCC há um componente de conhecimento. Importante entender que a Base não é um conjunto de competências, mas de conteúdos curriculares e de competências e habilidades que podem ser desenvolvidas em conteúdos curriculares para a construção do conhecimento nas escolas. Portanto, a BNCC incide sobre o que é o fundamento da ação da escola, ou seja, o conhecimento.

Só que a aquisição do conhecimento agora já não é mais entendida como simples armazenamento, e sim como a aquisição de algo com o qual se pode mudar a realidade, resolver problemas, ou ser aplicado. Na perspectiva da educação integral, o conhecimento leva à constituição de competências e habilidades cada vez mais relevantes para o trabalho, a convivência e o exercício da cidadania.

A Educação Empreendedora foi muito importante, durante muito tempo, em várias escolas brasileiras, mas, infelizmente, nem todas as escolas puderam acessá-la.

Hoje, a Educação Empreendedora se encontra em todas as escolas, à medida que a Base traz muitos de seus princípios.

A Educação Empreendedora foi inserida em um conjunto muito maior – de aquisição de conhecimento, de forma que ela precisará se articular com os conteúdos curriculares previstos na BNCC.

Mas há outro tipo de articulação que é identificar os conhecimentos necessários para empreender – empreender um negócio, um meio de vida e também empreender uma intervenção, uma iniciativa, um evento, um projeto cultural ou social e, por que não, empreender uma política. Esses conhecimentos têm de ser buscados nos conteúdos curriculares previstos na BNCC, articulando assim o preparo para empreender com o domínio dos conteúdos curriculares.

É importante lembrar que a escola é, em alguns casos, o único lugar em que muitos dos estudantes terão acesso ao conhecimento socialmente construído pela humanidade, dada a situação das famílias e de uma série de outras condições que restringem o acesso aos bens culturais, em geral, e aos conhecimentos, em particular.

Em suma, não se pode desligar a Educação Empreendedora do conhecimento ao qual elas servem e do conhecimento do qual ela se serve para educar empreendedores.

Feitas essas considerações, pode-se dizer que a Educação Empreendedora, inserida nessa perspectiva mais ampla de educação integral que a BNCC reforçou, está direta ou indiretamente relacionada às 10 competências gerais.

3 – Qual o objetivo da BNCC ao trazer a Educação Empreendedora?

A BNCC é um produto do seu tempo, e no seu tempo as novas tecnologias, a transformação no mundo do trabalho, que acarreta  uma transformação na interação entre as pessoas, nas famílias, na cultura, nas artes. Essas transformações tecnológicas e mesmo  no capitalismo sendo recolocado em uma perspectiva mais humanista. É um tempo complexo e ambíguo, e que tem um componente muito grande de incerteza, porque ninguém sabe ao certo aonde que a tecnologia vai nos conduzir.

E ninguém sabe como esse reposicionamento do capitalismo vai funcionar. De qualquer forma, as instituições que dão o tom político e moral do mundo globalizado – a ONU e suas agências, como a UNESCO, a Organização Mundial da Saúde, a OIT na área do trabalho; a OECD; os organismos internacionais de financiamento como o BIRD, o BID e outros; o Fórum Econômico Mundial – estão propondo um GREAT RESET do capitalismo, e, ao longo destas duas primeiras décadas do século 21, desenvolveram esse conceito de ODS Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que conformam a agenda 2030.

O objetivo foi captar esse espírito e dar mais sentido para os conhecimentos que são parte do currículo da escola. E, ao contextualizar, portanto, dar sentido a esses conhecimentos, ela trouxe a Educação Empreendedora e outras competências que são análogas, como a liderança, a autonomia.

O objetivo é educar com sentido; é educar não só para conhecer, mas para saber fazer, usar, aplicar. O conhecimento não é para decorar, mas para ser usado, para resolver problemas, para construir uma sociedade melhor e dar sentido à vida.

4 – Como é a Educação Empreendedora no Ensino Médio?

O Ensino Médio teve uma reforma estrutural importante em 2017, com a LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação –, cuja implementação está começando agora, prevendo 1.800 horas da própria BNCC – que já contempla as competências e habilidades ligadas ao empreendedorismo – e 1.200 horas adicionais.

O objetivo foi dar mais opções aos jovens que estão na última etapa da Educação Básica, abrindo a possibilidade de escolher diferentes itinerários formativos; com isso atingir também um objetivo que o Ensino Médio tem no mundo todo, ou seja, a diversificação, para tentar atender melhor as populações diversas e desiguais que estão na educação obrigatória.

Além das 1.800 horas da BNCC DO ENSINO MÉDIO, todos deverão escolher 1.200 horas de estudos em itinerários formativos diversificados, a serem oferecidos de acordo com as condições da escola e com o contexto do alunado.  Lembrem-se de que as 1.800 horas da própria BNCC já contemplam, como foi dito, competências e habilidades ligadas ao empreendedorismo.  No entanto, nada impediria que houvesse itinerários formativos mais focalizados no empreendedorismo, como já vem acontecendo em algumas escolas, inclusive em parcerias com instituições de ensino superior, como a Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Outras escolas estão organizando itinerários de empreendedorismo associados ao projeto de vida.  Este itinerário, portanto, pode ser trabalhado de uma forma mais tradicional – o empreendedorismo em uma visão mais tradicional e estrita – ou de forma mais ampla. Isso é o que difere a abordagem para o Ensino Médio.

5 – Como você acha que professores de diferentes disciplinas podem contribuir para formar estudantes com uma mentalidade mais preparada para a Educação Empreendedora?

A contribuição das diferentes disciplinas para a Educação Empreendedora não se limita à Educação Empreendedora. Podemos pensar na contribuição das diferentes disciplinas para as competências gerais previstas na BNCC. Para isso será preciso que o professor saiba trabalhar os conteúdos de sua especialidade de forma interdisciplinar e contextualizada; e não basta apenas dizer para que serve um conhecimento no futuro, é preciso lançar mão de metodologias ativas, ensino por projetos, ensino por problemas, ensino associado à pesquisa, debates com participação dos alunos que aprendam o conteúdo curricular e sua aplicação de modo articulado e pertinente. Isso pode requerer uma mudança na prática pedagógica e no modo como o professor está mediando a relação do aluno com o conhecimento. Não vai acontecer de um dia para o outro, ou seja, os professores têm de ter oportunidades de aprender a aplicar métodos ativos, têm de refletir sobre seu fazer pedagógico e assumir essa mudança. Em alguns casos, isso pode causar conflitos e ansiedade…   A interdisciplinaridade e a contextualização são estratégias pedagógicas muito importantes para organizar os conteúdos curriculares – e os itinerários do Ensino Médio deveriam ser, por excelência, interdisciplinares e contextualizados.

Mas também em relação às mudanças, nas 1.800 horas dedicadas à BNCC DO ENSINO MÉDIO, será decisivo que ocorram as mesmas mudanças pedagógicas e metodológicas. O currículo escolar tem de deixar de ser empacotado em unidades discretas que, quando se juntam, formam um todo “desconjuntado”. Em todas as oportunidades, será importante criar espaços de integração das disciplinas, projetos integradores interdisciplinares; enfim, oportunidades para que as disciplinas conversem entre si a fim de que os estudantes entendam que o mundo é um todo unificado, cujas partes estão em constante conectividade. Para uma implementação efetiva da BNCC, é preciso tirar as disciplinas do total confinamento em que elas costumam estar nos currículos tradicionais, isto é, sem interagir, sem dialogar, sem ter nenhum espaço de integração, e fazer com que elas se integrem e complementem para melhor compreensão dos problemas que o mundo apresenta e de suas possíveis soluções. Consequentemente, o empreendedorismo terá de ser trabalhado de forma interdisciplinar.

6 – Quais são os principais desafios hoje para se implementar uma Educação Empreendedora nas escolas?

Os desafios para implementar uma Educação Empreendedora são tanto maiores quanto menores como os de se implementar a BNCC como um todo. Mas isso depende da forma como a BNCC e a Educação Empreendedora são entendidas pelos responsáveis.

Como eu enxergo as competências da Base de forma mais ampla que a Educação Empreendedora, eu acredito que esta pode ser uma porta de entrada para facilitar a implementação das outras habilidades e competências da BNCC. Pois existe um espírito muito grande de afinidade entre as habilidades e as competências.

Desse modo, as escolas que já vinham trabalhando com o Sebrae terão mais facilidade de implementar o currículo, porque funcionaria com um gancho.

7 – Como os professores, os coordenadores e os gestores escolares podem se preparar melhor para a implementar a Educação Empreendedora?

Daqui para a frente, não vamos falar mais de Educação Empreendedora sozinha; vamos falar sobre a implementação da Base e de suas 10 competências, das quais a Educação Empreendedora é uma parte importante.

E são cenários bem diferentes: as escolas que já tinham um histórico de trabalho de Educação Empreendedora farão uma transição mais natural. Até mesmo os coordenadores e os gestores já haviam sido instruídos e conquistados para a ideia do empreendedorismo e podem fazer essa passagem do espírito do empreendedorismo para a BNCC.

Já as escolas que não tiveram oportunidade de trabalhar com o empreendedorismo anteriormente começam a entendê-lo com base no conjunto das disciplinas da Base.

Dos gestores escolares essa implementação vai exigir uma liderança muito forte, do ponto de vista metodológico e pedagógico. Será necessário ter clareza do que os professores precisam aprender do ponto de vista metodológico, para que as suas disciplinas possibilitem o desenvolvimento das 10 competências.

Os professores brasileiros não possuem uma prática interdisciplinar e de metodologia de projetos. Existem muitas novidades interessantes acontecendo, mas eu diria que, no conjunto, os currículos elaborados valendo-se da Base estão começando a entrar em prática agora, neste primeiro semestre de 2022 – e há um caminho longo a ser percorrido.

Os 27 estados da Federação já construíram os currículos alinhados à BNCC dentro da perspectiva do território do estado, e muitos deles incorporaram as perspectivas dos municípios. De forma isolada ou em conjunto, 5.557 municípios também já o fizeram.

No entanto, isso significa que a discussão está se iniciando e já está no papel, mas há um longo caminho para se mudar a prática pedagógica das escolas e dos professores. Para que seja uma mudança pedagógica efetiva, é preciso uma mudança de cultura.

É necessário que professores aprendam novas metodologias, que tenham mais capacidade de dialogar com outras disciplinas, especialmente no caso dos professores do Ensino Fundamental Anos Finais e Ensino Médio, até porque os professores da Educação Infantil e do Ensino Fundamental Anos Iniciais são ambivalentes. Mas nós temos uma tradição disciplinarista bastante rígida – a grande maioria dos professores é confinada à própria disciplina. E é necessário que se tenha mais diálogo, o que demanda uma mudança cultural em longo prazo.

Nas escolas que já se trabalhava a Educação Empreendedora, a interdisciplinaridade não é uma novidade tão grande, e essa discussão já está mais madura, como esse caminho está mais facilitado.

Portanto, os gestores e os coordenadores precisam entender quais as necessidades de formação dos professores e facilitar esse processo; já os professores, por sua vez, devem se abrir mais ao diálogo, à reflexão e ao questionamento de suas práticas, à busca de soluções adequadas às diferentes realidades das quase 150.000 escolas públicas brasileiras. Esse é um projeto de transformação ambicioso, e nenhum país conseguiu isso sem muito trabalho e tempo para que as pessoas amadurecessem. Não é uma questão de meses, mas de anos. Oxalá sejam poucos anos…

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