O cenário do professor para 2023 – Entrevista com Emilly Fidelix

Blog O cenário do professor para 2023 – Entrevista com Emilly Fidelix

30/01/2023
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As tendências das profissões e do mercado de trabalho são mundiais e mudam constantemente. Para os professores, claro, não é diferente. Mas, depois de um período atípico, o que esperar de 2023 para os docentes?

Quem falou melhor sobre o assunto com a equipe do Portal CER Sebrae  foi a professora, pesquisadora, palestrante e formadora de professores Emilly Fidelix, criadora do perfil @seligaprof no Instagram, que alcança mais de 60 mil educadores de todo o país. Confira o bate-papo!

1-Em um ano como o de 2023, em que a “normalização” pós-pandêmica já estará mais consistente, como os docentes podem se preparar para transformações na educação?

É importante darmos atenção às aspas que temos no termo “normalização”, pois, embora estejamos cada vez mais distantes no tempo em relação ao pico da pandemia e consequentemente do período de isolamento, os prejuízos que tivemos nesse período permanecerão por algum tempo e em camadas diferentes. Tal situação envolve aqueles estudantes que estavam, e estão, em período de alfabetização, enfrentam desafios diferentes daqueles que estavam no Ensino Fundamental anos finais e com acesso às aulas, materiais, etc. Foram experiências diferentes vivenciadas em todo o Brasil, e isso, claro, tem impacto na atividade do professor.

A sugestão é  que o professor tenha cada vez mais claro o contexto no qual sua escola está inserida, bem como o contexto de seus estudantes: saber quem são, do que gostam, no que têm dificuldades, seus interesses, sonhos, aspirações e mesmo aquilo de que não gostam são ótimas ferramentas para começarmos a pensar em 2023.

Além disso, é fundamental levarmos adiante o conceito de “aprendiz para a vida toda”, pois é isso que o futuro solicitará cada vez mais de todos os profissionais: se os desafios se transformam, se novas tecnologias são inventadas constantemente, é preciso entendermos que, mesmo sendo professores especialistas em nossa área, nunca deixaremos de ser aprendizes desse campo de conhecimento. Nesse sentido, não só os professores devem pensar no assunto, mas também as instituições: fornecendo opções, suporte, acolhida e possibilidades de formação continuada e de qualidade aos seus colaboradores.

2. Como os professores podem priorizar a saúde mental em um ano como o que está por vir?

Nós falamos muito do desenvolvimento de habilidades socioemocionais para as gerações que estão em idade escolar e a preocupação de envolver os estudantes nessa aprendizagem. Mas o professor, muitas vezes, figura em um papel negligenciado quando o assunto é apoio emocional. Temos números muito altos de burnout e depressão em pessoas que exercem a docência.

Gosto de sempre partir, nesse cenário, do autoconhecimento: enquanto profissionais da educação, ativos em sala de aula, precisamos entender o que serve e o que não serve para nós. Cantar em sala de aula não serve para mim? Tudo bem. Subir na mesa gritando e imitando Dom Pedro I não tem a ver comigo? Tudo bem. Me vestir como Cleópatra para atrair a atenção dos alunos não cabe na minha personalidade? Tudo bem. Todas as alternativas anteriores servem ao que me sinto à vontade? Tudo bem também.

O que vira notícia geralmente é o professor que cria uma espécie de espetáculo em sala de aula, e isso é encantador. Contudo, temos muitos outros professores igualmente talentosos e competentes cumprindo com excelência o seu trabalho; muitos se sentem inseguros e perdem a motivação no meio do caminho por não se sentirem aptos a ser ousados, ignorando todas as outras habilidades que podem ser potência no seu contexto.

Ademais, o autoconhecimento nos ajuda a perceber os nossos sinais internos: quando estou chegando ao meu limite, quando preciso pedir ajuda, quando estou me afastando de atividades que gosto e que são prazerosas e importantes para minha saúde mental. Gosta de assistir a filmes no fim de semana? Assista, curta e descanse. Se isso faz sentido e é importante para você, o autoconhecimento será importante para que você não se culpe por não estar corrigindo aquelas provas que poderão ser corrigidas em outro momento.

Para resumir: priorizar-se é fundamental. Não existe profissional de excelência dentro de um ser humano mentalmente doente.

3. Qual será o maior desafio do docente, em sala de aula, em 2023?

Passado o período crítico da pandemia, acredito que a efetiva implementação da BNCC em toda a Educação Básica (que iniciou de forma embrionária durante essa fase), bem como as mudanças no Novo Ensino Médio, em especial a montagem dos itinerários formativos, serão o grande desafio no início do ano. Outro destaque é que continua a busca pela recomposição da aprendizagem.

4. Como a comunidade escolar – desde os gestores escolares aos familiares – podem apoiar a jornada de sucesso do docente?

De forma resumida: entendendo e cumprindo o próprio papel e função nessa relação. Além disso, entendendo a importância de ouvir o professor, que é o especialista na sua área e que, portanto, tem um olhar qualificado para as situações vivenciadas na instituição, e colocando-se à disposição para uma participação ativa na busca pela resolução de possíveis problemas. Sozinho, o professor não dá conta nem é esse o seu papel. É preciso uma rede de apoio que se complemente e atue ativamente no processo.

5. Quais tendências você vê para a área pedagógica em 2023?

A educação vem de um período muito complexo em termos de tecnologias digitais: um encantamento em relação a ferramentas, dispositivos e aplicativos que gerou um boom perigoso em termos de intencionalidade: nem tudo o que é colorido, brilhante, tecnológico e divertido contribuirá para uma aprendizagem profunda. É necessário escolher os recursos com base nos objetivos de aprendizagem e não usá-los por usá-los.

Para 2023, penso que a grande “tendência” é pensarmos mais no aprendiz e em como se aprende. Por isso, a formação de professores de qualidade, aliada à formação de um repertório rico em possibilidades que unem metodologias e recursos pedagógicos intencionais, tende a ser o grande caminho a percorrermos.

6. Considerando que, em decorrência da pandemia, ainda haverá uma defasagem no processo de ensino-aprendizagem dos estudantes, quais estratégias considera relevantes para os educadores na prática pedagógica?

Compreender que nem tudo está em nossas mãos. Nós temos educadores excelentes em todo o Brasil, que simplesmente cumprem seu papel de forma majestosa, genial. No afã de conquistarem a atenção de todos os alunos e construírem uma base sólida de aprendizagem, muitos se frustram ao pensar que suas aulas não são atraentes, que não são bons professores e até mesmo pensam em desistir.

Precisamos entender que a desmotivação, a apatia e mesmo os períodos de inquietação dos aprendizes nem sempre têm relação com nossa aula ou conosco: o término de um namoro pode causar isso, presenciar uma briga entre os pais pode causar isso, a briga com um amigo pode causar isso. Descontados os elementos que não estão sob nosso controle, é muito importante termos um processo de conhecer quem são esses estudantes que todos os dias ou quase todos os dias estão ali, diante de mim. Para isso, a avaliação diagnóstica é fundamental, especialmente para entendermos a heterogeneidade da turma.

7. E, na relação com os pais, no sentido de contribuir com o processo pedagógico, há novas estratégias a serem adotadas pelas instituições escolares?

As escolas e as redes no geral têm um trabalho de formação continuada de professores, com vistas à atualização e apresentação de novas ferramentas, possibilidades e metodologias que podem ser utilizadas de acordo com o Projeto Político-Pedagógico e objetivos de aprendizagem. Mas, diante de tantas mudanças, precisamos pensar também em um diálogo formativo com as famílias, que precisam entender a importância e a efetividade dessas estratégias para a aprendizagem.

É muito comum, por exemplo, familiares questionarem professores porque eles “não estão dando aula” (quando o professor trabalha com metodologias ativas). Isso porque o seu conceito de aula é baseado unicamente nas aulas expositivas, que, como já se sabe, não é o método mais efetivo para a aprendizagem e, por isso, deve ser trabalhado em conjunto com outros métodos e estratégias.

8. Como as reuniões pedagógicas podem ser aliadas para a identificação da necessidade dos professores?

Fala-se muito da importância do desenvolvimento da autonomia dos estudantes, mas quando se pensa em percursos que impactarão diretamente o trabalho do professor, poucas vezes ele é um agente ativo nessa tomada de decisão. É imprescindível ouvir o professor, entender o que não está funcionando nos processos da escola, entender em que pontos ele tem dificuldade, solicitar sugestões de melhorias e mudanças, bem como dar oportunidade para que pense em soluções aos problemas que vive no dia a dia. Ouvir o professor com atenção é fundamental para termos um raio-x dos processos escolares e entendermos os pontos de melhoria.

9. As competências empreendedoras – como planejamento, inovação e aprendizagem empreendedora – podem ajudar a jornada de professores e aprendizes em 2023? Como?

O empreendedorismo é um assunto de suma importância, mas ainda muito recente no cenário educacional brasileiro. Há um equívoco em entender “empreender” com abrir grandes empresas, multinacionais. A aprendizagem empreendedora não trata, apenas, do campo empresarial, mas de olhar para o mundo com curiosidade, empatia, criatividade e atenção aos problemas que podem ser solucionados.

Quando pensamos em uma educação inovadora, ou seja, em uma educação que emancipa o aprendiz, que gera autonomia, que promove a criatividade, o pensamento crítico, a resolução de problemas, a empatia para enxergar o contexto e a busca por melhorias, estamos ativando uma aprendizagem que é também empreendedora. O planejamento é fundamental para o projeto de vida, ação que está sendo implementada especialmente com o Novo Ensino Médio, mas que já deve ser pensada nos anos finais do Ensino Fundamental. Também os itinerários formativos do Novo Ensino Médio contam um eixo focado em empreendedorismo, o que abre espaço para diálogos riquíssimos, como economia criativa, economia circular, projetos envolvendo ONGs, etc.

Imagine que a escola fica localizada em um bairro com grande abandono de animais e, em um projeto de Ciências da Natureza ou outra área, pensa-se em soluções para esse problema por meio de intervenções focadas em conscientização; criação de ONGs e outras instituições que deem suporte; desenvolvimento de campanhas de castração com o apoio público-privado. Imagine um projeto envolvendo a criação de um brechó: desde a reunião de roupas e acessórios até as campanhas de publicidade para chamar a comunidade, com um objetivo final de arrecadação de fundos para um projeto bacana da cidade? Isso também é empreender.

Tanto para o professor quanto para os estudantes, empreender é uma ótima oportunidade de desenvolver habilidades e competências tão caras ao nosso tempo.

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