Recentemente, o metaverso tomou os holofotes dos temas mais discutidos com as possibilidades que pode trazer nas mais diversas áreas, desde o mercado de trabalho às relações pessoais. E não é por acaso: de acordo com a publicação da Meio e Mensagem, “há uma estimativa de que o metaverso terá 1 bilhão de usuários até o final da década. O Citigroup, em seu último relatório, previu que a indústria do metaverso sustentará uma economia que pode valer entre US$ 8 trilhões e US$ 13 trilhões até 2030. Números como esses atraíram mais de US$ 177 bilhões em investimentos desde o início de 2021, de acordo com a consultoria McKinsey.”
Mas e na educação, quais são as perspectivas do metaverso e o que a grandeza desses números pode significar? Para responder isso, conversamos com o especialista Ronaldo Gazel, que trabalha com tecnologias emergentes e interações digitais há mais de 20 anos. Confira!
O metaverso é um termo em construção que aponta para tecnologias que já existem e uma internet descentralizada. São os mesmos componentes do que chamam de Web 3.0.
Acredito que seja a chance de reconstruirmos a própria internet diante da crise iminente das redes sociais, que deixaram as pessoas mais ansiosas e infelizes do que o contrário. É um vasto campo a ser explorado, experimentado e vivenciado em todas as áreas humanas.
Em termos mais técnicos, o metaverso é a junção de dois fatores: o primeiro é a internet descentralizada – com o uso de Ethereum e outras tecnologias blockchain, de forma a criar ativos digitais associados a contratos inteligentes que dão aos proprietários direitos de posse de área, direitos e deveres, com poder de decisão na comunidade (DAO); o segundo, por sua vez, são as tecnologias emergentes, como Realidade Virtual, Realidade Aumentada, Finger Tracking, Room Scaling, Feedback Háptico, Eye Tracking etc.
Não existe uma fórmula para diagnosticar o que são metaversos ou não. Na prática, ao identificarmos dois ou mais elementos associados ao metaverso – por exemplo, uso de avatares 3D (ou 2D) e possibilidade de se comunicar com outras pessoas em tempo real no mesmo espaço – já são suficientes, nesse momento, para determinar que algo pode ser chamado de metaverso. É um termo amplo, e o Gartner Group criou, há pouco menos de um ano, o infográfico abaixo, mostrando alguns dos componentes mais comuns das experiências de metaverso.
São tão evidentes e poderosas as aplicações do metaverso no campo da educação que há um subtermo cunhado pela comunidade de criadores e usuários que indica exatamente essas aplicações, é o Eduverse (education + metaverse) – que, por sua vez é, assim como o próprio metaverso, mais um termo.
Não devemos ficar presos aos termos em si, buscando o ponto exato em que eles começam ou terminam. Mas devemos, sim, exercitar nossa habilidade em desconstruir as propostas interativas, enxergando os vetores que para elas convergem. Assim fica mais fácil entender as possibilidades em cada segmento, como no caso da educação.
Assim como qualquer novidade, é preciso experimentar, analisar, abrir os braços para compreender as possibilidades, benefícios e também desafios que surgem junto dela.
O surgimento do metaverso nos remete a outro momento em que os gestores escolares também tiveram que se adaptar: a chegada da internet. É um momento análogo ao atual: as pessoas em todos os ramos de atividade humana tiveram que entender “do zero” o que significava aquilo – sem saber ao certo aonde iríamos chegar.
É o mesmo caso aqui: sabemos que o impacto do metaverso será enorme, mas o caminho a seguir, nós que vamos pavimentar. E isso é feito por meio das experimentações, das provas de conceito, das iniciativas, do “errar controlado”. E é assim, respondendo à pergunta, que os gestores devem se preparar: entender as plataformas, entender as limitações e, logo após, entender os recursos do metaverso, refletir sobre que comportamentos ou situações no modelo atual poderiam ser aprimoradas. Um processo bem racional, mas que demanda iniciativa e vontade de vencer a inércia natural que acompanha as mudanças.
Os professores também precisam passar pelo mesmo processo de imersão progressiva e gradual, assim como os alunos. Como eu disse, é um cenário muito semelhante ao de quando surgiu a internet, não há especialistas consolidados, já que se trata de novos contextos tecnológicos e culturais.
O ideal seria começar utilizando plataformas abertas, gratuitas e baseadas em web (sem precisar baixar aplicativos), trazendo com isso um primeiro passo acessível, includente, aberto, ideal. Dois bons exemplos: a plataforma Mozilla Hubs e Spatial.io. Elas fazem uso opcional de óculos de realidade virtual, já que é pouco acessível (com o modelo básico da Meta custando em torno de R$ 3.000).
Nessas plataformas os alunos e professores poderão criar vivências imersivas juntos, não apenas assistir a um vídeo já criado, passivamente, mas compondo os cenários, os locais, as informações. Por exemplo, se o assunto é célula humana, então cria-se, com a ajuda de todos, um ambiente como se fosse uma célula gigante, em que todos podem entrar e fazer a aula mediada pelo professor – cada um com seus avatares, podendo realizar intervenções durante as dinâmicas por meio de desenhos, stickers, objetos 3D, emojis animados 3D e, claro, por meio da fala, da voz.
Num segundo momento, depois desse primeiro nível de imersão com o metaverso, pode-se pensar em juntar a turma – e a escola/universidade – para criarem, juntos, uma moeda interna baseada em blockchain. É uma oportunidade para estudar esse lado importante do metaverso, que são os ativos digitais únicos (também chamados de NFT) e o poder de uma moeda que se valoriza não por especulação, mas por mérito dos alunos. Por exemplo: cria-se na escola uma moeda-conceito e registra-se num blockchain (em Ethereum, uma das tecnologias de blockchain) o contrato que validaria as atividades que valorizam ou desvalorizam a moeda, e suas contrapartidas (da escola, de parceiros, dos alunos, de todos). Ou seja, se os indicadores da comunidade escolar melhoram, todos saem ganhando. Isso já dá um gosto da descentralização, que é o termo que melhor sintetiza o metaverso: deixamos de alimentar uma, duas, três redes sociais para atuar em universos menores, porém independentes e focados em nichos de aplicação, como a educação.
Seria o mesmo que responder “em que momento a internet estará implementada na educação”, ou seja, não é possível saber, justamente porque o metaverso – que possui os mesmos componentes do que se chama “Web 3.0” – também é algo em processo de construção, de amadurecimento.
Se pensarmos bem, já está acontecendo uma transformação iniciada nos últimos oito, dez anos que converge para o metaverso: robótica, programação, realidade aumentada e games já são realidade para muitos alunos e professores, são vetores que convergem para uma realidade compatível com o que esperamos do metaverso, que é a absorção dessas tecnologias e interações de forma natural, espontânea, deixando de ser mais apenas uma novidade para fazer parte do cotidiano escolar ou universitário.
O metaverso em si pode contribuir oferecendo tecnologias, ferramentas e ambientes virtuais. Mas, para desenvolver as competências socioemocionais, é preciso, antes de mais nada, aplicar um esforço criativo para conectar de forma coesa os elementos que escolhemos.
Vou dar um exemplo: um famoso colégio de Belo Horizonte estava com uma dor a ser resolvida: os alunos não estavam ativando as câmeras durante as aulas em ambientes como o Google Meet e o Microsoft Teams. O que fizemos foi juntar as forças – time tecnológico, pedagogos, professores e especialistas – criando uma experiência que funcionava da seguinte forma:
Criamos um ambiente metaverso na plataforma Mozilla Hubs, acessível pelos alunos e professores por meio do celular, computador ou óculos VR (sem necessidade de baixar aplicativo).
Pode e deve. Acho que é natural que a tecnologia potencialize e integre, consolide o conhecimento através do ensino híbrido.
O jogo Pokémon Go, por exemplo (que pode ser considerado um tipo de metaverso, assim como o Second Life) trouxe para o mundo um conceito simples e poderoso: ressignificar o próprio ambiente como cenário de um jogo/mundo virtual e, nele, estabelecer interações entre as pessoas. Isso significa que a sala de aula deixa de ser o único local onde se estabelecem processos educacionais. Junta-se a isso a pandemia, que forçou as pessoas a estudarem em casa e em outros locais: temos aí um cenário ideal para o ensino híbrido, e a tecnologia é a base para que isso aconteça.
Seguindo a inspiração do Pokémon Go, criamos para a Samarco um projeto de gamificação com elementos de metaverso, chamado “Territórios Compartilhados”. Trata-se de uma proposta híbrida, em que os usuários combinam experiências in loco e físicas, reforçando os pontos das rotas de fuga (de desastres), com um aplicativo que oferecia duas possibilidades: um game em que os usuários poderiam ir até pontos-chave de cada comunidade para testar seus conhecimentos sobre a cultura e a história de cada local, aumentando a autoestima e pontuando os usuários e, ainda, ao chegar até cada ponto da rota de fuga, era possível abrir a câmera do app e apontar para as placas, fazendo uma espécie de check-in virtual, acrescido de conteúdos informativos de segurança.
Acredito que todas as disciplinas podem usufruir das possibilidades imersivas, tudo vai depender da criatividade da abordagem. E isso é um bom sinal, especialmente hoje em que os sistemas de Inteligência Artificial estão praticamente fazendo tudo sozinhos – imagens, vídeos e até composição de poesias. Trazer a criatividade para a frente do “comboio” que trazemos rumo ao metaverso e ao futuro é a chave para que qualquer disciplina ou atividade humana destrave e explore os benefícios.
Gosto de lembrar do que falava meu primeiro mestre de Kung Fu: ele contava sobre um monge que construiu um belo barco, durante muitos anos (numa analogia ao tempo que gastamos ao entender e ficarmos experts em algo), e esse barco era perfeito, permitia que o monge navegasse pelo rio com tranquilidade.
O tempo passou e, num belo dia, o barco chegou à terra firme. A terra era uma novidade, era um novo contexto. Nela, o barco, que tão perfeitamente serviu ao monge, não fazia mais sentido (numa analogia a quando o mundo se transforma e nosso conhecimento e experiência parecem estar fora de sintonia com a realidade), pois a terra firme não era compatível com o barco.
O monge tinha duas opções: abandonar o barco, utilizando todo o background adquirido durante sua vida para compreender o novo contexto e criar novas abordagens para se locomover nele, ou negar a realidade, isto é: carregar o barco nas costas, nessa nova realidade, pois está preso emocionalmente àquelas competências desenvolvidas, àqueles cursos de tecnologias e métodos que ficaram, com o tempo, desatualizados.
Aprender a desapegar é importante. É difícil. Esvaziar a xícara para tomar um chá novo. Essa é a dica que dou: não ter medo de nada, simplesmente tentar dar espaço dentro da nossa existência para que possamos abandonar um pouco do peso desnecessário da nossa bagagem cultural, intelectual e abraçar novos paradigmas e vivências.
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