Reinvenção das bibliotecas – Entrevista com Elaine Pinheiro e Mariana Castro

Blog Reinvenção das bibliotecas – Entrevista com Elaine Pinheiro e Mariana Castro

13/11/2017
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E se as bibliotecas se transformassem em espaços de experimentação, de aprendizado livre, mais parecidas com makerspaces do que com os atuais ambientes silenciosos e cheios de estantes? Essa foi a provocação feita por Elaine Pinheiro no bate papo da edição de outubro do D.A.T.E, evento realizado pelo Creative Mornings em Belo Horizonte, com mediação da jornalista e autora do livro Empreendedorismo Criativo, Mariana Castro.

Elaine é CEO da ONG Recode, organização voltada para o empoderamento digital que realiza, entre outras iniciativas, o programa Conecta Biblioteca, que acredita na transformação social por meio das bibliotecas públicas. Em entrevista ao CER, Elaine Pinheiro e Mariana Castro falam sobre o futuro dos espaços de educação e como a mudança pode fomentar uma educação mais empreendedora.

1 – O que há de ultrapassado nas bibliotecas e espaços de educação hoje em dia? Qual mudança deve ser feita?

Elaine: O modelo que temos hoje ainda está preso a agendas do passado, sendo que temos oportunidade de usar esses espaços para nos ajudar a lidar com problema mais atuais. Os problemas de hoje são mais complexos, exigem mais colaboração, participação e co-criação. Na medida em que deixarem de ser entendidos como locais de entrega de conhecimento e passarem a ser vistos como lugares de geração de conhecimento, esses espaços se conectarão mais com o presente.

Mariana: Aproveitando que estamos falando para uma plataforma de educação empreendedora…As pessoas costumam me perguntar se eu acho que empreendedorismo deve ser ensinado como uma disciplina nas escolas e universidades. Acho que faria muita diferença se essa educação empreendedora fosse espalhada por todas as disciplinas. Dificilmente uma disciplina ensinada separadamente tem potencial de preparar alguém para ser empreendedor.

Elaine: Devemos lembrar que os negócios que nascem das necessidades vividas pelos empreendedores têm uma força motora muito grande. Então devemos colocar as pessoas em torno desses espaços de saber, para que as escolas ou as bibliotecas sejam os meios pelos quais a pessoa vai pensar um problema social e a partir desse problema social é que ela vai idealizar ou gerenciar um negócio. A própria maneira de pensar empreendedorismo deve ser renovada. O empreendedor deve ser um solucionador dos problemas sociais da comunidade em que ele vive.

2- Pensando em termos práticos, o que seria uma biblioteca maker ou uma escola maker?

Elaine: É importante ter espaços mais abertos, sem agenda muito específica, para que todos possam ter acesso. Mas, para além da estrutura, devemos pensar em qual será a agenda daquele espaço. Se você decide que vai tratar problemas daquela comunidade que envolvam envelhecimento, saúde, empoderamento feminino, por exemplo, isso é escola! Esses são problemas reais vividos pelas meninas, pelos pais, pelos avós. A estrutura deve se adaptar à necessidade. E cada lugar vai ter a sua. As vezes quando viajamos para fora do Brasil e vemos uma biblioteca super bacana, achamos que aquela estrutura deve ser replicada. São 5.500 cidades aqui no Brasil, não vamos chegar no mesmo lugar que outros países. E se chegarmos, não vai funcionar.

Além disso, considero um erro pensar que a tecnologia sozinha resolve problemas. Muitas vezes, comparo o tablet e as tecnologias à televisão. Se você der um tablet na mão de alguém, ele pode fazer o mesmo papel que o quadro negro fez há dois séculos atrás: colocar a pessoa no lugar de alguém só assiste. Não há autoria nesse processo, o jovem não é convidado a fazer, é convidado a assistir a experiência do outro. Por isso que a estrutura é importante, mas acho que ela deve ser pensada sempre a serviço do que ela quer resolver.

Mariana: Concordo. E acho que é importante acrescentar que esses espaços devem ser construídos com a contribuição de quem vai usufruir, devem atender às demandas de quem vai usá-los.

3- Como esses espaços podem contribuir para a disseminação e fortalecimento da  cultura empreendedora?

Elaine: O empreendedorismo é não esperar. Não esperar do estado, da empresa ou da escola. Não esperar que alguém faça por mim, eu empreendo. Ainda precisamos trabalhar essa questão na sociedade, mas se o começo de algumas coisas ainda é a escola, talvez a escola seja o lugar para isso.

A biblioteca é mais democrática e autônoma. Temos 6,1 mil de biblioteca públicas no Brasil. Precisamos ocupar esses espaços como lugares de repensar a juventude, repensar o futuro, repensar o mercado de trabalho – seja pelo empreendedorismo ou pela empregabilidade.

No Brasil, ainda trabalhamos empreendedorismo pensando em formar bons gestores. Empreendedorismo, na essência, não é saber gerenciar. É ousar, prototipar, aplicar, ser resiliente, entre outros. E depois que uma pessoa se forma empreendedora, ela vai empreender dentro da empresa em que trabalha, na sua vida pessoal.  É importante não tratar o empreendedorismo como uma matéria.

Mariana: O empreendedorismo pode significar abrir o próprio negócio também, mas vai muito além disso. A pessoa pode ter uma postura empreendedora dentro da empresa em que trabalha, na comunidade ou inventando novas formas de mobilização política. E, para isso, é preciso estimular a curiosidade, que nos prepara para futuros imprevistos, diminuir o peso que se dá ao erro, criar espaços de experimentação e nos quais a diversidade seja vista como algo muito importante, porque não se chega a soluções diferentes com pessoas que pensam de maneira igual e vem do mesmo lugar.

4 – O que o jovem de hoje espera das bibliotecas e das escolas? Quais são as novas demandas para os profissionais que atuam nesses espaços de educação?

Mariana: O jovem tem sido bem mais questionador em relação ao conteúdo que está aprendendo. Ele quer saber como aquilo será aplicado na prática e como será útil para sua vida.

Estamos vendo também uma mudança importante no modelo que seguimos até agora: educação em uma escola tradicional e depois na faculdade, para formar uma pessoa que vai ter uma profissão só durante sua vida inteira. Esse não é o contexto do futuro do mercado de trabalho. As pessoas vão ser cada vez mais versáteis, no sentido de se envolverem com projetos específicos e diferentes ao longo da vida. Isso requer habilidades diferentes. O sistema que seguimos hoje não atende à nova realidade. Então a mudança começa por aí.

Elaine: No programa Conecta, trabalhamos a formação dos profissionais de biblioteca. E temos falado muito sobre gestão participativa, articulação e parcerias, comunicação e engajamento de redes. Essas são habilidades essenciais, seja para um profissional que já está no mercado ou para um jovem no futuro. Hoje, quando os jovens chegam na escola já tiveram acesso ao conteúdo que vão aprender. A sede deles está em aprender a aplicação do conteúdo ou entender qual sua postura diante daquele tema. Qual é o projeto? Qual é o desafio? Sem desafio o jovem não anda. Ele não é passivo, quer ter voz, autoria, desafio e contexto para o aprendizado. A grande pergunta é: o que mais podemos fazer aqui juntos?

Mariana: Cada vez mais, o papel da escola é ensinar a aprender. Não ser fornecedora do conteúdo. Antes, a escola era o lugar em que você acessava o conteúdo pela primeira vez. Hoje você acessa o conteúdo de forma muito mais rápida e fácil. No entanto, a escola tem uma contribuição fundamental em ensinar os jovens a fazerem uma curadoria do conteúdo que vai ajudá-los a chegarem onde querem chegar. Outro aspecto é conectar o conteúdo a algo que tenha significado e sentido para o aluno.

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