Implementação do Novo Ensino Médio no Colégio Dona Clara, em BH – Entrevista com Priscilla Alcici

Blog Implementação do Novo Ensino Médio no Colégio Dona Clara, em BH – Entrevista com Priscilla Alcici

07/09/2023
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O Novo Ensino Médio passou a ser oficialmente implementado, no Brasil, no início de 2022. A ideia é que o processo seja feito gradualmente e seja finalizado em 2024. Por trazer mudanças significativas, é natural que escolas públicas e privadas encontrem desafios nesse processo. 

Quem vive e experimenta tudo isso na prática é a educadora Priscilla Alcici, diretora pedagógica do Colégio Dona Clara, em Belo Horizonte (MG). Ela compartilhou com a equipe do CER como foi o processo de implementação do Novo Ensino Médio na instituição. Confira! 

Implementação do Novo Ensino Médio no Colégio Dona Clara, em BH – Entrevista com Priscilla Alcici

1. Em uma visão geral, como ocorreu o processo de implementação do Novo Ensino Médio no Colégio Dona Clara? 

Qualquer proposta de mudança precisa ser bem fundamentada e projetada para todos os envolvidos. Por isso, o Colégio Dona Clara se preocupou desde o início em se preparar da melhor maneira possível. Acreditamos que mudanças causam dúvidas, incertezas, questionamentos e, por isso, diante do cenário nacional, buscamos vivenciar o que acreditamos ser um bom caminho não só para os nossos estudantes, mas para toda a comunidade escolar. 

Quando a Lei nº 13.415 foi homologada, em 2017, o colégio iniciou um estudo com a equipe pedagógica acerca das informações apresentadas no documento, e como elas impactariam a parte acadêmica, financeira e organizacional da escola. Nesse momento, ainda aguardávamos a homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Médio, que ocorreu apenas em dezembro de 2018. Com mais esse documento normativo, retomamos o processo de compreensão, comparação e entendimento com a equipe pedagógica,  já desenhando possíveis unidades curriculares para a parte flexível do novo currículo; ou seja, um brainstorm do que estava sendo construído. 

Uma consultoria pedagógica foi iniciada para colaborar com o esboço do Novo Ensino Médio do Dona Clara, junto com professores e coordenação. Nesse processo, fomos concebendo as possibilidades de Itinerários Formativos – chamados na escola de ‘percursos de aprofundamento e integração de estudos’ –, além de construir as possibilidades de distribuição da carga horária anual destinada à BNCC, nos três anos que compõem o Ensino Médio. 

Já estamos caminhando para o terceiro ano do início da implementação e continuamos analisando o que já foi feito, e aguardando o que o MEC trará de respostas após a Consulta Pública para Avaliação e Reestruturação da Política Nacional de Ensino Médio; mas estamos certos de que fizemos uma implementação assertiva, com escolhas que são a cara dos nossos estudantes.

2. Quais foram os principais desafios durante a implementação? 

Desde que os documentos normativos trouxeram a obrigatoriedade da implementação do Novo Ensino Médio, não só o Colégio Dona Clara, mas todas as escolas do Brasil que estão preocupadas em entregar uma educação de excelência, ficaram com muitas incertezas. 

Participei de fóruns, encontros nacionais e grupos de estudos, e as falas eram as mesmas. Precisamos relembrar que, na linha do tempo do Novo Ensino Médio, os documentos essenciais para a implementação foram disponibilizados com espaçamentos consideráveis. Por exemplo, a lei que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) foi sancionada em fevereiro de 2017, e a BNCC, em dezembro de 2018. Esses hiatos reforçam desafios para os educadores em geral. Essa foi a maior dificuldade que vivemos, pois sempre estávamos aguardando um documento para complementar os outros. 

Mas acredito que, além disso, a pandemia nos trouxe mais um desafio, uma vez que os alunos voltaram de um ensino remoto já encarando uma nova proposta acadêmica – de construir o projeto de vida, mas com questões emocionais e comportamentais à flor da pele. 

Projetar um formato de ensino sem saber como será avaliado também foi – e está sendo – uma questão desafiadora, dado que a estrutura do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi disponibilizada em 2022, mas a matriz ainda não foi divulgada. As escolas precisam de uma política de governo que traga respostas, que apoie e garanta uma implementação real.

3. O que entende que foi positivo no processo? 

A proposta de ter um novo modelo de Ensino Médio foi positiva, apesar das faltas de normativas. O formato passado – sem direito de escolha, em que o aluno aprendia tudo de todas as disciplinas, sem motivação, sem pensar no seu projeto de vida – não cabia mais para os estudantes do século XXI. 

É imprescindível ressaltar que os alunos de hoje convivem com mudanças que ocorrem tão rapidamente que muitos hábitos não são mais como nós os conhecemos. Eles não precisam saber tudo de tudo, pois têm muitas respostas com um clique no smartphone. Precisamos levar para eles a compreensão dos processos culturais, econômicos e políticos da sociedade atual, além do aprimoramento como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico. 

O mundo contemporâneo se apresenta repaginado, muito mais conectado e desafiador, e a proposta da implementação do Novo Ensino Médio é baseada nisso, em colocar o jovem no centro do processo de aprendizagem, utilizando tecnologias, pensando no futuro e construindo o projeto de vida, que é outro ponto positivo. Nele, os estudantes refletem sobre o que almejam, projetam e redefinem para si ao longo de sua trajetória, uma construção que acompanha o desenvolvimento da(s) identidade(s), em contextos atravessados por uma cultura e por demandas sociais que se articulam ora para promover, ora para constranger seus desejos. 

No Dona Clara, eles têm um momento semanal só para construir o projeto de vida, para pensar em si, entender o mundo, criar objetivos e metas e analisá-las; e é incrível como eles se sentem bem nessa oportunidade, sempre muito participativos e engajados.

5. Como foi a preparação dos professores para essa implementação?

Os professores participaram de formação distinta visando entender os novos conceitos normativos, para estudar a BNCC e comparar o que deveria ser da parte chamada de obrigatória e o que seria para os Itinerário Formativos. Vale destacar que os educadores são peças fundamentais para qualquer mudança na escola: se eles estão engajados e participando, é nítido como os alunos se sentem acolhidos e tranquilos. 

6. Como acredita que o protagonismo do estudante neste novo modelo apoia o processo de aprendizagem? 

Primeiro precisamos entender que o protagonismo é indissociável das responsabilidades. Quando é chamado de protagonista do seu processo de aprendizagem, o estudante precisa estar preparado para isso. Não adianta simplesmente falar que são protagonistas, é preciso prepará-los e, para isso, é necessário que vivenciem o projeto de vida. É esse projeto que permite que o estudante olhe para si, entendendo que ele é o ‘ator principal’ e que precisa estar cada vez mais engajado com o que está acontecendo na escola, com o que será oferecido como escolha e com o que ele realmente deseja experienciar. Para isso, ele também precisa se assumir e atuar como protagonista.

7. Como foi a recepção dos estudantes e de pais/responsáveis ao novo modelo? 

Os estudantes do Colégio Dona Clara realizam um processo de transição do 9º ano para o Ensino Médio que traz a eles clareza do que está por vir. Nesse momento, são apresentados os percursos de escolhas, o projeto de vida, a vivência que eles poderão ter e outras questões pedagógicas que são consideráveis para um ingresso mais fluido. 

Algumas famílias tiveram questionamentos, e é natural, pois os filhos foram inseridos nessa mudança, e cabe a eles mesmo perguntar, ler sobre e procurar saber mais; até porque acreditamos que, para uma boa formação, a parceria entre família e escola é um dos maiores valores. Nesse quesito, estimulamos os responsáveis, fizemos reuniões para apresentar e tirar dúvidas. 

8. Para além do cumprimento da legislação, quais potenciais e desafios enxerga no Novo Ensino Médio, pensando no impacto aos estudantes no médio e longo prazos? 

O Novo Ensino Médio traz voz aos estudantes, o que é muito importante, uma vez que são eles o centro do processo. Mas, se os processos avaliativos para ingresso no Ensino Superior não passarem por mudanças que acompanhem as que foram colocadas para o Ensino Médio, voltaremos a lidar com jovens que não se sentem preparados – o que pode trazer desafios comportamentais e emocionais para essas gerações. 

A mudança do Novo Ensino Médio é muito grandiosa, por isso o Colégio Dona Clara leva em consideração todo o cenário e prepara os alunos para este novo mundo, desenvolvendo habilidades em todas as dimensões: intelectual, física, emocional, social e cultural. A gente utiliza a tecnologia como aliada e proporciona o contato dos estudantes com diferentes linguagens e vivências, para que sejam capazes de aprender a CONHECER, a CONVIVER, a FAZER, a SER e a SENTIR. Temos ainda um longo percurso legislativo para percorrer, mas acreditamos que a mudança era necessária e trará bons resultados.

9. Quais dicas deixaria para uma escola que ainda não tem experiência com esse processo de implementação?

Minha avó dizia que, sem estudo, é difícil ter bons resultados. Eu acredito que as escolas precisam se munir das informações, sem se limitar ao “disse me disse” das pessoas. Somos as instituições que formam o futuro da nação, os nossos jovens, e precisamos lidar com responsabilidade. 

Eu sugiro que sejam feitos grupos de estudos sobre os documentos normativos; que os professores saibam a fundo o que é o Novo Ensino Médio, já que é papel  deles encantar os alunos; e que os estudantes sejam preparados para serem protagonistas. Outro ponto é fazer do projeto de vida a disciplina mais importante para os jovens, porque é com ela que vão construir os percursos que viverão nessa etapa da Educação Básica – e, possivelmente, na preparação para o mundo posteriormente ao Ensino Médio.

Gostou dessa entrevista e quer conferir outras conversas relevantes com especialistas da educação? Acesse o Portal CER e confira os bate-papos que publicamos mensalmente!

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