Entrevista com Jacinto Jardim: Congresso Internacional de Educação Empreendedora e Cidadania

Blog Entrevista com Jacinto Jardim: Congresso Internacional de Educação Empreendedora e Cidadania

30/09/2022
Compartilhe este conteúdo

Já foram realizadas, desde 2021, duas edições do Congresso Internacional de Educação Empreendedora e Cidadania (CiEECi) em Portugal – evento que reúne investigadores, docentes, empreendedores e responsáveis políticos para debaterem e apresentarem práticas e evidências científicas que apoiam a compreensão e a construção do futuro do empreendedorismo e da cidadania.

Nós, do Portal CER, conversamos sobre os temas debatidos no evento com o professor Jacinto Jardim, diretor do Gabinete de Educação para o Empreendedorismo e Cidadania Global (GabEECG) e investigador da Universidade Aberta, de Portugal. Confira!

A entrevista foi transcrita posteriormente a uma videochamada. Fizemos pequenas adaptações para o português brasileiro, sem comprometer a essência das falas e facilitando o entendimento no formato textual.

#1 Qual é a sua definição – não necessariamente técnica – de cidadania e de Educação Empreendedora?

A Educação Empreendedora tem a ver com todas as estratégias utilizadas para que os estudantes desenvolvam um conjunto de competências, a fim de que consigam ter espírito de iniciativa e sejam capazes de criar produtos, serviços ou organizações originais. O empreendedorismo tem este grande objetivo: desenvolver competências para ajudar a superar desafios. No contexto inovador e disruptivo em que vivemos, em nível internacional, em que tudo é novo, o que precisamos é desenvolver, sistematicamente, uma atitude, um mindset, com base nos quais os estudantes vão desenvolver um modo de ser, de conviver e de aprender a fazer.

Quando falamos de cidadania, estamos nos referindo àqueles vínculos que fazem com que uma pessoa se sinta parte de uma comunidade humana. Dentro dessa comunidade, toda pessoa tem deveres e tem direito à voz, a expressar as suas necessidades e opiniões; tem espaço para dizer aquilo que pensa, aquilo que mais necessita. A cidadania é isto: é sentir que pertencemos a uma comunidade e temos, por um lado, responsabilidade com ela, ao mesmo tempo em que temos deveres com os laços humanos que criamos. Precisamos nos responsabilizar para fazer com que as próprias comunidades sejam cada vez mais humanas.

Quando discorremos sobre os dois conceitos, citamos o exemplo do Brasil. Falarmos sobre empreendedorismo e sobre igualdade de vida no país passa por falarmos também sobre a supressão da miséria, que existe em todos os cantos do mundo. Precisamos cuidar deste aspecto: um empreendedorismo que seja cada vez mais humano. Aquele que ajuda efetivamente a ser feliz, a realizar sonhos humanos. Neste nosso mundo ocidental, temos de propiciar uma Educação Empreendedora assim, que ajude o indivíduo a viver plenamente.

#2 Um dos temas abordados no congresso foi a definição de um perfil empreendedor. Como descreveria esse perfil?

O perfil pedagógico de quem trabalha essas temáticas da educação para o empreendedorismo passa, em primeiro lugar, por a pessoa ter um conjunto de competências e atitudes que transmitem por meio do exemplo e do modo de ser e fazer. Do ponto de vista prático, parte do princípio de que ninguém pode dar aquilo que não tem. E, se os nossos professores, nossos educadores, nossas famílias e nossa sociedade não têm esse espírito empreendedor, essa capacidade de ‘pensar fora da caixa’ e de realizar projetos… Se não tivermos pessoas que contribuem, em um determinado modelo, para ativar tudo isso, não teremos propriamente o empreendedorismo na sociedade.

O ponto de partida é ter um conjunto de competências, atitudes e comportamentos a serem transmitidos para todos, adequando as novas gerações. Aí podemos formar o futuro.

Em segundo lugar, temos o ’learning by doing’, o ‘aprender fazendo’. É a prática, a experiência, o colocar a ‘mão na massa’; é fazer um projeto e transformá-lo na realização de algo maior.

Depois, em terceiro lugar, dentro do perfil empreendedor pedagogo, precisamos contar com a lógica da colaboração, da equipe. É o chamado ‘empreendedorismo colaborativo’. Empreende quem trabalha em rede, quem trabalha em equipe, quem trabalha com os outros. Isso pode acontecer na medida em que conseguimos identificar talentos diferenciados. Essa é a chave para o empreendedorismo colaborativo. As pessoas têm talentos diferentes: são bons comunicadores, bons escritores, bons pintores, bons músicos; existem pessoas que têm talentos para questões humanas; há outras, por sua vez, que são mais introvertidas, então são os melhores pensadores, bons investigadores. A questão é, além de identificar bem o talento de cada um, devemos diferenciá-los para uni-los e permitir a complementação entre um perfil e outro – aquele que tem mais facilidade de falar verbalmente se complementa com aquele que gosta mais de escrever, por exemplo.

O interessante disso tudo é que existem talentos extraordinários, mas há uma grande dificuldade em identificá-los, porque a nossa tendência é a de imitar. O segredo é identificar os talentos e depois juntá-los, criando redes que farão um trabalho em equipe. Isso é fácil de dizer, mas não é tão simples de aplicar na prática. Quando acontece, fazemos coisas extraordinárias.

No perfil do educador, precisamos colocar a pessoa em contato, em rede com todas as instituições, com as empresas. Enfim, o perfil do educador no ensino do empreendedorismo passa por estabelecer relações, criar laços, criar redes. Em um mundo global e digital como o nosso, precisamos de pessoas que façam essas conexões.

#3 A aplicação transdisciplinar da Educação Empreendedora foi tratada em alguns momentos do congresso. O que você pensa sobre isso?

A Educação Empreendedora só faz sentido e só será eficaz se estiver presente transversalmente em todas as áreas do ensino. Então, nas escolas, precisamos mudar a mentalidade do professor de dar simplesmente a sua aula para a mentalidade do professor capaz de interligar os conhecimentos. Isso é essencial para propiciar a origem do estudante pensador.

Se os nossos professores não tiverem essa capacidade de ajudar o aluno a pensar para além do currículo, então os estudantes também não terão essa habilidade. Nesse sentido, precisamos de um professor que ensine português, mas que, ao fazer isso, aborde também a capacidade de refletir de um modo crítico; precisamos de um professor que ensine matemática, mas que faça com que esses números ganhem uma dimensão prática; precisamos de professores que ensinem as tecnologias, mas não só para formar um engenheiro em informática, mas também aquele que comece a desenvolver produtos originais em sua empresa. Isso pode ser aplicado em todas as áreas disciplinares, fazendo convergir todo o trabalho para esse pensar ‘fora da caixa’, para a capacidade de concretizar as ideias. Nesse cenário, todos os professores, seja qual for a disciplina, podem ajudar os alunos.

É necessário pensar em salas de aula do futuro. Salas nas quais idealizamos competências, temáticas. Isso tem a ver com aquilo que ocorrerá na área profissional, que vai se dar na nossa rua, na nossa casa, no trabalho, na agricultura, no mar, no espaço. E isso pressupõe um trabalho diferente nas nossas salas de aula. Esse exercício da transdisciplinaridade deve ser feito desde a Educação Infantil até o Ensino Superior. Se for só no Ensino Superior, já é tarde – já foi comprovado que os benefícios são muito menores se não houver um trabalho prévio.

#4 Outro tema presente no evento foi o desenvolvimento de competências empreendedoras nas diferentes gerações. Como enxerga isso?

Eu gosto muito de dar atenção às diferentes sensibilidades. Porque podemos trabalhar com o mesmo objetivo de desenvolver competências, mas o modo de trabalhar com cada geração é que muda. Se conseguirmos diferenciar essa linguagem, melhor. Por exemplo, em relação a essas novas gerações, devemos trabalhar o digital, baseando-nos nos jogos, nas imagens, bem como em uma comunicação rápida, em que haja poucos discursos, mas muito contato emocional.

Se estivermos desenvolvendo a Educação Empreendedora para uma geração na faixa etária de 60 anos, a lógica é completamente diferente, porém o objetivo vai ser o mesmo. A proposta será permitir que aproveitem ao máximo a experiência de vida que têm até este momento e que possam ainda fazer algo de original, de inovador para o mundo de hoje.

Um dos maiores dramas para a Educação Empreendedora é não querermos aceitar o tempo tal como ele é. Em termos sociais, culturais, econômicos.

Por outro lado, vamos tentar ligar isso ao que as novas gerações têm de melhor, que é o global, o digital, a capacidade de lidar com a inovação, de estabelecer relações mais autênticas.

A mesma coisa vale para estudantes não só de diferentes gerações, mas de diferentes cursos. Alunos das áreas de Humanas, por exemplo, vão precisar trabalhar as competências empreendedoras de um modo. Outro aluno, se for da Engenharia, sentirá necessidade de um trabalho muito diferente.

#5 Quando pensamos no Terceiro Setor, como enxerga a Educação Empreendedora apoiando iniciativas como essa?

O empreendedorismo do Terceiro Setor é algo que precisa entrar cada vez mais. As instituições do Terceiro Setor devem ter esse espírito de iniciativa, de ir para além daquilo que é o habitual. E essa parte tem sido difícil. O Terceiro Setor e as instituições dos serviços sociais não têm conseguido se regenerar.

O que eu tenho notado é que falta aquele conjunto de competências, de cultura sobre a Educação Empreendedora, que faz toda a diferença nessas instituições. É prudente pensar em um dos aspectos essenciais, que é a cultura colaborativa. Ela tem de existir; caso contrário, o Terceiro Setor nega-se a si mesmo.

As competências – da empatia, da assertividade, do suporte social, de liderança – têm de ser trabalhadas para que o Terceiro Setor se transforme efetivamente. Se não for desse modo , torna-se mais difícil, e esse é um dos focos importantíssimos da atualidade.

#6 O congresso abordou o empreendedorismo em cenários de crise. Como você enxerga a contribuição da Educação Empreendedora diante desses cenários?

A Educação Empreendedora é uma das melhores respostas à própria crise, porque a crise exige que façamos algo diferente, algo novo – é sempre essa oportunidade extraordinária para surgir o novo.

Mas o mais importante é que, com a pandemia, percebemos também que algumas coisas são essenciais. E o essencial é termos vida, saúde, relações; o essencial é vivermos em família, com amigos; uma vida que vai para além de nós próprios.

O empreendedorismo é, portanto, um modo de vivermos plenamente a vida. De aproveitarmos o nosso talento para nos realizarmos enquanto pessoas. A crise vai mostrar que não vale a pena nos distrairmos com coisas secundárias; ela vai nos mostrar que o essencial é sermos humanos, pessoas que sabem estar bem consigo mesmas, com os outros; que sabem caminhar em conjunto, e trabalham e vivem em rede.

Gostou desse conteúdo e quer ter acesso a entrevistas com outros especialistas grandiosos? Acompanhe o Portal CER SEBRAE!

Compartilhe este conteúdo

Assine a Newsletter

Fique por dentro de todas as novidades