Entrevista com Carolina Cavalcanti: o poder de cocriar e inovar na educação

Blog Entrevista com Carolina Cavalcanti: o poder de cocriar e inovar na educação

26/06/2023
Compartilhe este conteúdo

 

O poder da cocriação e da inovação está em cada detalhe, fora e dentro da sala de aula, no mundo on-line e no mundo off-line; e toda a comunidade escolar pode perceber as vantagens da sua aplicação. Mas como funcionam esses conceitos na prática, afinal, e como eles estão aliados às habilidades socioemocionais e a práticas da Educação Empreendedora?

Conversamos sobre isso – e mais um pouco! – com Carolina Costa Cavalcanti, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), autora, palestrante, docente e consultora em Aprendizagem Socioemocional, Metodologia Inov-ativas e Educação Digital. Confira a seguir. 

No que consiste a prática de cocriar e inovar na educação? 

Os processos de aprendizagem envolvem muitas pessoas e muitos elementos. Está ali quem vai aprender, o estudante, mas outros agentes também fazem parte, como o educador, a gestão escolar, as próprias famílias. É um processo que, quando ocorre com base na perspectiva somente do professor – sem levar em conta todo o contexto, a cultura e a comunidade –, fica sem significado.

Ao falar em cocriar para inovar na educação, então, estamos nos referindo a um processo de aprendizagem que deve se realizar em uma grande parceria. O professor vai ter um papel de liderar, mas ele precisa entender quem são esses estudantes, seus desejos, seus desafios. 

Quando trabalha com as metodologias ativas, o professor abre espaço para que existam momentos de cocriação; momento em que provoca o estudante a explorar o mundo em que está inserido, conversar com a família, coletar dados, pesquisar, debater… A aprendizagem deixa de ser sobre decorar o conteúdo e passa a ser cocriada por todas essas pessoas que participam. Ao mesmo tempo, também se torna inovadora, uma vez que foge do modelo tradicional de aula.

Resumindo, o processo de aprendizagem tem muitos elementos e muitas pessoas envolvidas, e cada uma tem o seu papel para que esse processo aconteça. Quando todas ocupam esses espaços e conseguem dialogar, trocar, construir juntas, é possível inovar no processo de aprendizagem. 

Acredita que a cocriação e a aprendizagem socioemocional andam de mãos dadas? Por quê?

A aprendizagem socioemocional é uma jornada que todo ser humano vai precisar trilhar ao longo da vida – educadores, professores, famílias, estudantes. 

O The Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning (CASEL), uma organização internacional que trabalha há mais de 30 anos desenhando programas de aprendizagem socioemocional, apresenta cinco grandes competências a serem desenvolvidas durante o processo de aprendizagem emocional, que são:

  1. autoconhecimento;
  2. autogestão ou autorregulação;
  3. consciência social;
  4. habilidades de relacionamento; e 
  5. tomada de decisão responsável. 

Quando nos referimos às emoções, estamos olhando para o nosso mundo interior; mas, muitas vezes, as nossas emoções são influenciadas pelo mundo externo, pelos nossos relacionamentos e pelas trocas. O “socio” de socioemocional é exatamente a parte social, isto é, são outras pessoas.

 A partir do momento em que a escola entende quem são os estudantes, a realidade e a dor de cada um, e envolve todos os outros agentes do processo, surge a cocriação no desenvolvimento da aprendizagem socioemocional. É um processo liderado pela escola, mas os pais também podem buscar recursos para se desenvolverem em cada um desses aspectos. Quando todos os envolvidos têm consciência da importância das habilidades socioemocionais, quando o processo é colaborativo e coletivo, os resultados são muito mais potentes. 

Quando pensamos nas metodologias ativas, como acredita que o poder da cocriação aparece ou se manifesta?

A cocriação se dá em muitos momentos quando falamos de metodologias ativas, mas nem sempre com outro ser humano. Eventualmente vai acontecer com um conteúdo, um fato, com o próprio histórico da família – se o professor está trabalhando o tema escravidão, por exemplo, e pede ao estudante que resgate e entenda a história da sua família naquele assunto. 

Por si só, trabalhar as metodologias ativas é abrir uma possibilidade para que as pessoas sejam capazes de criar e ressignificar fatos, realidades e dados científicos. E a cocriação surge, em muitos momentos, como parte desse processo – mas, claro, não é a única forma de trabalhar com essas metodologias. 

Inovar necessariamente está relacionado ao uso de recursos tecnológicos?

Inovar é criar algo ‘fora da caixa’, algo diferente do que já existe e colocar isso no mundo de forma a gerar valor para as pessoas. Existem inovações que são disruptivas, mas existem inovações que são incrementais – coisas que já aconteciam de certa forma e passam a acontecer de outra, por exemplo, tornando-se melhor ou mais eficiente. 

A inovação muitas vezes se relaciona com as tecnologias porque, claro, essas facilitam muito o dia a dia. Mas há muitos casos de inovação em educação que não exigem o uso de uma tecnologia. Uma metodologia diferente adotada em sala de aula – o fishbowl*, por exemplo, um formato de discussão em grupo que favorece o diálogo e dá oportunidade democrática de participação – já é um jeito de inovar em sala de aula. 

*Fishbowl, também chamado de “Método Aquário”, é um formato de discussão em grupo que favorece o diálogo e a troca entre os estudantes, abrindo espaço para que todos opinem e compartilhem suas percepções. 

A cocriação e a inovação em sala de aula fortalecem o vínculo entre professor e aluno? Como? 

São três fatores importantes que fortalecem o vínculo entre professor e estudante. Em primeiro lugar, é o simples fato de o professor se mostrar disponível e interessado em oferecer ao estudante uma experiência de aprendizagem mais significativa e até desafiadora – o que naturalmente encanta o estudante. 

O segundo fator é a capacidade de o docente se mostrar vulnerável – qualquer professor que assume um papel de que faz tudo certo o tempo todo acaba por criar alguma resistência, certa distância. E, em terceiro lugar, está a empatia – o professor não precisa ser ingênuo, mas pode ser empático com a realidade de cada um dos estudantes. A criança ou o jovem pode estar passando por uma situação delicada em casa e, por isso, suas notas caíram. Isso deve ser levado em conta. O ser humano tem que ser olhado de maneira integral – e não devem ser considerados apenas aspectos cognitivos e de aprendizagem de conteúdo.

Pensando nos avanços tecnológicos e na importância das escolas se atualizarem, quais sugestões daria para gestores e instituições que estão começando a olhar para isso agora?

Unir forças com pessoas que representam variados grupos dentro da escola é o principal caminho para cocriar e inovar. Ampliar a perspectiva é um passo muito importante quando falamos desse poder – é conhecer outros olhares, outras formas de vivenciar determinada questão. 

Gosto muito do design thinking, por exemplo, uma metodologia centrada no ser humano e que pode ser aplicada em muitos desafios reais. A gestão pode criar um grupo de trabalho e estabelecer um cronograma para lidar com diferentes questões – “temos três meses para criar um projeto que vai reduzir o índice de bullying na escola”, por exemplo. As pessoas envolvidas podem fazer pesquisas e entrevistas com estudantes que sofrem e praticam bullying, com familiares, com especialistas no tema e por aí vai. 

Uma gestão que tem esse olhar de envolver outras pessoas acaba por ser mais participativa, mais democrática; e é uma gestão que consegue implementar soluções de uma forma muito mais eficaz. 

Como acredita que a cocriação e a inovação contribuem para o desenvolvimento das competências empreendedoras? 

Vale pontuar que, embora existam pessoas que já tenham algum talento, desenvolver competências empreendedoras é algo totalmente possível. As competências empreendedoras desenvolvidas desde cedo na escola – criatividade, colaboração, raciocínio lógico – estão vinculadas à inovação porque, à medida que vai fortalecendo essas competências e ampliando o seu repertório, vivenciando situações que deem espaço para essas competências se desenvolverem,  o estudante está aprendendo a inovar. 

Desenvolver competências empreendedoras é preparar as pessoas para que façam pequenas inovações na rotina e, cada dia mais, estejam preparadas para a vida – para liderar, por exemplo, ou mesmo para encontrar uma solução inovadora para um desafio global. A cocriação e a inovação permitem que as competências empreendedoras se tornem uma lente pela qual os estudantes sejam capazes de perceber o mundo com um olhar mais crítico e apurado. 

Gostou desse bate-papo e quer conferir outros com especialistas da educação? Acesse o Portal CER e confira as entrevistas que publicamos mensalmente!

Compartilhe este conteúdo

Assine a Newsletter

Fique por dentro de todas as novidades